O carnaval de Belo Horizonte foi “patrulhado” politicamente? Dezenas de denúncias apareceram nas redes sociais durante todos os dias da festa, de 1º a 6 de março, relatando que a Polícia Militar de Minas Gerais teve atitudes autoritárias e violentas com base em posições políticas. A tortura e prisão de uma senhora idosa, porque estaria usando um brinco com o escrito “Lula Livre”, foi um dos mais chocantes.
O Bloco Tchanzinho Zona Norte, que saiu na sexta (1) à noite, relatou em suas redes sociais um impasse envolvendo um capitão. “Durante o desfile o militar tentou determinar o que poderia ser cantado pelo bloco e quis impedir manifestações políticas”, descreve a nota. O capitão da PM teria proibido as músicas e críticas ao presidente Jair Bolsonaro, assim como disse que não toleraria manifestações favoráveis ao ex-presidente Lula.
Para fazer valer sua ordem, o capitão teria ameaçado retirar o policiamento do bloco, que contava com 70 mil pessoas. “Ele disse que a ameaça dele não era uma ameaça à liberdade de expressão, pois o bloco estava fazendo ‘a defesa de um vagabundo’, se referindo ao ex-presidente Lula”, detalha a nota oficial. O capitão também teria afirmado que essa era uma posição dele e não da corporação.
Blocos avaliam: “PM nunca sentou para conversar”
Outros blocos de rua fizeram a avaliação de que o principal ponto negativo da festa foi a atitude da PM. Matheus Brant, fundador do Me Beija Que Eu Dou Pagodeiro, lembra que o problema não é recente. “Já tem alguns anos que a PM vem atuando de forma completamente equivocada no nosso bloco. Já sofremos por vários anos com o uso de força desproporcional”, diz.
A cofundadora do bloco Angola Janga, Nayara Garófalo, presenciou atitudes agressivas da Polícia Militar, como no final do bloco Fecha a Santa, que aconteceu domingo (10) no viaduto Santa Tereza, e dispersões na Avenida Amazonas com bombas de gás lacrimogêneo, enquanto a avenida estava totalmente fechada para o trânsito. A preocupação de Nayara é ainda maior, já que é responsável por um bloco afro que em 2018 reuniu mais de 130 mil pessoas.
“Primeiro, a PM não pode exigir que blocos não se manifestem politicamente, e segundo, a PM nunca sentou com os blocos para conversar o que ela espera, o que gostaria”, expõe Nayara. Neste ano órgãos como Bombeiros, Cemig, SAMU e Prefeitura se reuniram com os blocos para explicar e combinar detalhes. “Quando chamam a gente para conversar e explicam as questões, a gente se torna parceiro. A PM vem evitando essa parceria em todos os últimos anos”, pontua.
Idosa foi presa e bloco em Ibirité foi alvejado
Os relatos de agressões e censura continuaram acontecendo durante os dias de carnaval. No domingo (3), uma professora denunciou que foi presa enquanto participava de um bloco com sua família. A senhora, que pede para ser identificada, relata que foi pega pelas costas, teve seus dedos e sua mão contorcida, foi levada a uma cela escura, defecou e urinou em suas roupas, e não foi informada do motivo de sua detenção. Ela usava um brinco com os dizeres “Lula Livre” e identifica este como o único motivo plausível da detenção.
O advogado Willian Santos, da Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP), acompanha esse e outros casos de agressão policial durante o carnaval. Ele destaca um ataque da polícia em Ibirité, Região Metropolitana de BH, com uso de bombas e tiros de borracha. Ele calcula que mais 100 pessoas ficaram feridas. Em um caso em especial, um homem foi atingido duas vezes no rosto, e a bala acabou destruindo parte do nariz.
“Não tinha que resolver nada naquele bloco, não tinha problema. O fato foram eles [policiais] que criaram”, diz o advogado. “É preciso ter um controle, mas esse controle não pode ser imposto antes de acontecer alguma coisa.”
Reações
Os Ministérios Públicos Federal e de MG, junto às Defensorias Públicas da União e de MG, fizeram uma recomendação conjunta publicada no domingo de carnaval. Os poderes recomendaram, diretamente à Polícia Militar, que não realizassem detenção ou proibição de falas políticas, “sob pena de praticar censura institucional”, o que seria ilegal e um abuso de autoridade. A recomendação lembrou ainda que a população “não precisa escolher entre segurança (pública) e manifestação”.
Os casos foram encaminhados à Ouvidoria da Polícia. Para dar consequência aos casos, a RENAP pretende realizar uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A Polícia Militar foi questionada, mas ainda não respondeu.
Edição: Joana Tavares