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Zema não gosta do que faz

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A iniciativa privada não tem vocação para a garantia de direitos. Seu negócio é o mercado
A iniciativa privada não tem vocação para a garantia de direitos. Seu negócio é o mercado - Foto: Imprensa MG
Governador é exterminador de políticas públicas

O que se deve esperar de um governador? Que ele governe. A obviedade, no entanto, parece estar sendo dissolvida na atmosfera ultraliberal e autoritária de várias administrações, que têm como principal projeto acabar com o Estado. Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema, do Partido Novo, vem trabalhando para destruir a estrutura para a qual foi eleito pelo voto popular. Em vez de manter e promover o Estado por meio de políticas públicas consequentes, tem feito de tudo para confrontar com seus fundamentos.

Em poucas semanas, para ficar apenas em alguns exemplos, jogou contra a educação, a saúde e a cultura. Sem falar na destruição dos laços políticos de representatividade dos municípios e regiões do estado, tratando os prefeitos e deputados com a arrogância própria dos fracos. Se, objetivamente, andou para trás em alguns setores, em outros atua pela lógica da estagnação: não faz nada esperando que mergulhem no vazio da inutilidade.

Carregando sua origem empresarial, o governador fez questão, desde o primeiro dia, de jogar no livro-caixa todo o desafio de sua administração. Trocou a indigência política pela defesa da gestão técnica, usando, no entanto, dos mais batidos chavões da politicagem, como meritocracia, corrupção, herança maldita e até a demagógica recusa em receber salários e morar na residência oficial. Anunciou processo seletivo para vagas de cargos em comissão. Prometeu não convocar a velha política nem os derrotados para lhe fazer companhia.

Tudo jogo de cena. O salário continua sendo pago em dia, o que não ocorre com o funcionalismo (o que ele faz com seus proventos é decisão pessoal e não representa economia no caixa). Para manter a segurança de sua residência particular mobilizou forças públicas e editou decreto que não transforma sua casa num palácio, mas no mínimo numa espécie de casamata à paisana, com repercussão na despesa e chateação para vizinhos.

Manteve a retenção de repasses das prefeituras e o decreto que dá poderes para tal, parte da herança maldita que denunciou na campanha. A seleção para os cargos de confiança, anunciadas na casa das centenas, até hoje estão em quatro vagas, sujeitas, depois da etapa meritocrática, à aprovação política, conforme declaração do próprio governo. Tucanos tomaram conta dos melhores ninhos. Candidatos que perderam eleição acharam seu lugar. Nada de novo.

Fosse apenas um processo e acomodamento das mesmas elites, ainda que com a desfaçatez e discurso mais corporativo, já era previsível. No entanto, o governo de Minas Gerais tem se esforçado para ser ainda pior. Não se trata apenas de condenar o Estado e defender valores neoliberais, mas de exterminar políticas públicas que são exatamente isso: públicas. A iniciativa privada não tem vocação para a garantia de direitos. Seu negócio é o mercado.

O governador só vem a público para falar em cortes e equilíbrio fiscal. Não se ouviu dele uma palavra substantiva sobre temas como educação, saúde, cultura, meio ambiente e segurança. Em todas essas áreas já deixou patente sua gastura pessoal, sobretudo no que diz respeito a recursos e controle social. Como bom empresário (e não necessariamente um empresário bom), ele parece não gostar de investimento em direitos e menos ainda de democracia.

Na área de saúde enviou projeto que faz da Escola de Saúde Pública uma repartição desprestigiada e descapitalizada na estrutura da Secretaria de Saúde. Sem conhecer uma instituição que forma profissionais para o SUS e realiza pesquisas no setor há mais de 60 anos, agiu com a calculadora, não com a razão. A reação da comunidade sanitária, não apenas no estado mas em todo o país, chegou à Assembleia, que tem o papel de barrar esse crime contra a saúde pública.

Não é um caso de economia de recursos possibilitada pela união de áreas afins, mas de esvaziamento deliberado de um projeto de saúde pública, que confronta com a lógica do mercado dos serviços privados. Inviabilizar a Escola de Saúde é uma ação anti-SUS, que fragiliza a formação de profissionais próprios para o sistema e reduz a reflexão sobre as políticas públicas de saúde.

Na área de educação, depois do terrível episódio de Suzano, em São Paulo, o governador teve a insensibilidade de anunciar o fim de contrato que garantia um pouco e segurança a dezenas de escolas públicas estaduais. Novamente em nome do corte de despesas. Além da crueldade do gesto, está presente na atitude uma ação de desrespeito às condições de trabalho dos profissionais e de confiança das famílias e alunos no ambiente adequado para o processo de aprendizagem.

É preciso também lembrar que durante a campanha o então candidato defendeu um tratamento diferenciado para as escolas, dotando de mais recursos as que apresentassem melhores resultados. Exemplo de completo desconhecimento do papel da educação, a medida serviria apenas para consolidar a diferença de rendimento, sem levar em consideração outros fatores envolvidos no compromisso da educação pública, além dos resultados quantitativos. Em outras palavras, é exatamente onde estão os problemas que mais recursos devem ser investidos. A lógica da competição é avessa ao sentido de equidade que deve dirigir as ações no setor.

Como se não bastasse, o gestor também falou em entregar “escolas problemáticas” para a administração de militares, por meio da Polícia Militar. Há nessa concepção um desvio do sentido de educação para valores meramente comportamentais, que, por consequência, acaba por atingir também o conteúdo do ensino e a definição da escola como espaço de liberdade, diferença e criação. Colégios militares podem compor o sistema público de ensino, mas não podem ser modelos universais e muito menos solução para problemas, numa velada atitude de punição e ameaça.

Zema também chegou a anunciar sua intenção de aproximar a escola pública do setor privado, oferecendo o que chamou de capacidade ociosa (em que planeta ele vive) das escolas. Chegou a defender também a compra de vagas em cursos oferecidos por empresas educacionais, que seriam transformados em bolsas para alunos melhor avaliados. Prova de desprestígio da escola pública, considerada incapaz de oferecer bons serviços; e exemplo de preconceito com os alunos, que seriam divididos em castas.

Na cultura, o desprestígio em prover o cidadão desse direito (conforme consta da Constituição de 1988) começou de saída com a desconsideração de todos os tipos de manifestação cultural. A primeira medida anunciada foi a extinção da secretaria, como se tornou regra nos governos autoritários que têm alergia à arte e ao pensamento. Depois de apresentada como apêndice da pasta da educação, a cultura acabou estacionando junto ao turismo no pacote da reforma administrativa em análise na Assembleia.

Zema chamou o prédio que abriga a Orquestra Filarmônica de “monstruosidade”. Tratou a cultura na campanha apenas com viés econômico e liberal, jogando a responsabilidade para o mercado. Inculto, no sentido pleno da palavra, o governador não gosta de arte, nem popular nem erudita. Sobre os equipamentos abrigados na pasta - Rádio Inconfidência e Rede Minas -, retrocedeu no debate sobre o caráter público da comunicação, como também tem sido regra em governos autoritários.

A convocação de um secretário com histórico profissional na Rede Globo deixa patente o que o governo entende por cultura e turismo: são produtos a serem regidos pela lógica da publicidade. A Globo Minas, como todos sabem, tem um programa provinciano sobre cultura mineira que reduz uma das mais ricas expressões simbólicas do país, a cada semana, a receita de bolo, charrete e procissão. Não é um acaso que a primeira medida anunciada pelo novo secretário seja um trenzinho para carregar turistas.

O retrocesso se anuncia também no questionamento da lei estadual de incentivo à cultura e do risco de não levar adiante a implantação do Plano Estadual de Cultura, elaborado com participação da sociedade. Ao reunir cultura e turismo, o que fica transparente é o olhar meramente ilustrativo dado à cultura, que passa a ser um produto para atrair turistas a partir de uma visão conservadora e pouco crítica de arte e pensamento.

 A lista de estadofobia, povofobia e publicofobia por parte do governo poderia se estender para outras áreas, como foi tristemente demonstrado no tratamento leniente ao crime socioambiental em Brumadinho, com constantes acenos em direção à retomada da atividade por parte da administração estadual.

Em três meses, Zema mostrou que não respeita a dimensão institucional do Estado, que não entende de política, que não gosta do povo, que não tem projetos de políticas públicas. E, o que é mais grave, não tem turma para dividir o encargo nem apoio para levar adiante a tarefa.

A cada dia fica mais visível a sensação de que ganhou no susto e que não é capaz de cumprir a tarefa para a qual foi eleito. À sociedade, às forças sociais e à oposição cabem tensionar essa dissonância até o limite das possibilidades dadas pela democracia. Nada mais meritocrático que a revolta.

Edição: Joana Tavares