Os desdobramentos da fatídica visita do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e sua comitiva aos EUA tem proporcionado uma avalanche de memes nas redes sociais. Parte significativa da crítica tem utilizado como anedota a correlação automática entre a subserviência política e as relações afetivas/sexuais.
Além disso, a recusa ao atual governo se expressou no coro entoado pelas massas carnavalescas: “Bolsonaro, vai tomar no c*” foi, de fato, o verdadeiro hit em muitos estados. Uma metáfora que indica que a prática do sexo anal, bastante disseminada historicamente e marca significativa das relações sexuais entre homens, é uma atitude pejorativa e, por que não, abjeta.
Que fique explícito: é fundamental denunciar com ousadia e alegria este governo! É necessário explicitar os impactos da atual política entreguista e seu papel na reiteração do traço estrutural que nos acompanha: a dependência externa. No entanto, precisamos problematizar o modo pelo qual fazemos as críticas, compartilhamos e nos entusiasmamos com as mesmas.
Façamos algumas reflexões:
Por qual motivo a sexualidade/afetividade precisa ser mobilizada para demonstrar subserviência numa relação?
Por que utilizar de uma simbologia que indica afeto/sexo entre dois homens para denunciar a política entreguista?
Qual o sujeito que produz esses memes?
Na luta contra o fascismo todas as armas podem ser mobilizadas, inclusive o heterossexismo?
Estamos conscientes que esta forma de crítica reitera a sociedade patriarcal, que já estabelece uma política de controle dos nossos corpos e sexualidade?
Estaríamos endossando todo o coro LGBTfóbico recrudescido nos últimos anos?
As perguntas podem ser diversificadas. As respostas, se o leitor não for um "desavisado", indicam um único caminho. Menosprezar o relacionamento afetivo-sexual entre dois homens utilizando desta relação como metáfora de subserviência de um (Jair Bolsonaro) e virilidade do outro (Donald Trump) é um explícito reforço da nossa formação social patriarcal e heterossexista.
É sintomático que nossa esquerda ainda precisa buscar nas entranhas do patriarcado mecanismos para diálogo com o "senso comum". Mais sintomático ainda é perceber que quem está se divertindo com esses memes está reiterando que relacionamentos afetivos/sexuais devem ser associados à subserviência, opressão, mando e cabresto. Sim, de fato, numa sociedade patriarcal é bastante difícil superar essa verdadeira "cortina de fumaça" que nos impede de ser, viver e amar livremente.
Sejamos coerentes! Precisamos denunciar o entreguismo, a subserviência, a ausência de um projeto de soberania nacional e o falso patriotismo do governo Bolsonaro sem, com isso, fortalecer as estruturas patriarcais e heterossexistas de nossa sociedade.
Edição: Joana Tavares