Minas Gerais

Sem traquejo

Zema altera projeto de reforma administrativa, mas não agrada população nem deputados

Governo sofre derrota na ALMG e vive impasses com a própria base na Casa

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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"Na visão empresarial, o empregado que não atende aos interesses do patrão é demitido. Política não é assim", afirma deputada estadual
"Na visão empresarial, o empregado que não atende aos interesses do patrão é demitido. Política não é assim", afirma deputada estadual - Foto: Fernando Chaves

O governador Romeu Zema (Novo) continua com dificuldades para aprovar a reforma administrativa na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Nesta semana, o projeto substitutivo foi analisado durante três dias pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas, devido à falta de acordo entre governo e parlamentares, foi retirado para ser discutido diretamente em plenário.

O novo texto traz mais de 50 mudanças em relação ao anterior. Porém, a maioria foca na estrutura interna, como a criação de cargos para auxiliar na administração. A proposta principal do Executivo estadual, de redução do número de secretarias de 21 para 12, foi mantida.

Após pressão popular e para tentar avançar com a reforma na Casa, Zema voltou a considerar algumas políticas sociais no projeto atual, ainda consideradas insuficientes pelos blocos de esquerda. Outra mudança foi a respeito do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), que o governo propunha transferir para a Secretaria de Estado da Fazenda, mas desistiu e decidiu manter na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag).

 “O encolhimento de políticas públicas na reforma irá diminuir 1% do déficit que o Estado tem. Ou seja, o governador não só reduz a atuação do Estado, como também não dá resposta para uma dívida pública que precisa ser questionada, inclusive com a União", avalia a deputada estadual Andreia de Jesus (Psol).

Andreia afirma que Zema estaria tendo problemas para negociar até com sua própria base na ALMG, e que isso seria consequência do estilo empresário do governador, não compatível com a administração pública.

"Na visão empresarial, o empregado que não atende aos interesses do patrão é demitido. Política não é assim. É debate, mediação, argumentação. Não é 'você manda e o outro obedece'. A gente não atende só ao mercado", diz a parlamentar.

Pontos da reforma

O Brasil de Fato MG ouviu especialistas em algumas áreas essenciais para o bom funcionamento do Estado. O consenso é de que a reforma não traria muitas inovações, insistindo em problemas já identificados em gestões antigas e justificados com a alegação de economia.

Segurança

Um exemplo é a estratégia para a Segurança Pública. O programa Fica Vivo, que trabalha com jovens para a prevenção da criminalidade, sofreu cortes que resultaram em um núcleo fechado neste início de mandato do governador. Para o pesquisador Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas (NESP), essa é a tendência: pouco interesse em setores de inteligência, investigação e prevenção e alto investimento em policiamento repressivo e custos prisionais.

"O Fica Vivo é minado desde Anastasia (PSDB) e será cada vez mais reduzido no governo Zema. Minas teve um incremento de mais de 500% na taxa de encarceramento. A Polícia Militar consome, com pessoal, em torno de 70% do orçamento da segurança. Mas isso é uma caixa preta que nenhum governador teve coragem de mexer”, declara.

Cultura

Zema segue persistindo na fusão das secretarias de Turismo e Cultura. Além disso, como menciona a atriz e vereadora Cida Fallabella (Psol), mantém os ataques ao patrimônio cultural, instituições como o Palácio das Artes e a interrupção do trabalho das superintendências de interiorização.

"O orçamento da cultura sempre foi mínimo, mas agora é abaixo do mínimo. A cultura, o turismo, a tecnologia e a agroecologia poderiam ser alternativas para a construção de outras matrizes econômicas em Minas, principalmente no período do fracasso desse modelo minerário que custa vidas. Só que nem se pensa nisso. É só desmontar, nunca vi uma visão tão distorcida do que é cultura”, comenta a artista.

Saúde

Outra ideia polêmica envolve a Escola de Saúde Pública, que permanece sob risco de passar para a pasta de Secretaria de Estado da Saúde. Assim, a instituição perderia a autonomia administrativa e ficaria impossibilitada de tocar atividades acadêmicas.

"Zema quer fazer isso por meio de um Projeto de Lei paralelo ao da reforma administrativa, que está suspenso por manifestações da sociedade. A escola apresentou um estudo que prova que, se a transição acontecer, os gastos aumentam. O governador não consegue sustentar os argumentos, porém não sinaliza que irá abdicar da decisão”, ressalta Andreia de Jesus.

Outra preocupação, lembrada por Núbia Dias, diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), é o contingenciamento atingir o atendimento do serviço de saúde. "O Estado deve investir 12% no setor, é lei. Se a redução cai na assistência fica insuportável. Hoje, 75% da população mineira usa e sobrevive do Sistema Único de Saúde (SUS)”, destaca.

Outros tópicos

A população luta para que a mesa de negociação sobre conflitos fundiários não mude de direcionamento no plano de Zema, garantindo a existência das ocupações urbanas e os diretos dos moradores. Também há uma grande resistência contra a municipalização da educação fundamental, medida rechaçada e não funcional no momento, considerando que os municípios permanecem sem receber repasses do Executivo estadual.

Edição: Joana Tavares