Prestes a completar 83 anos de existência, a rádio potência de Minas Gerais nos anos áureos do rádio, estava condenada à morte lenta. A Rádio Inconfidência, 880 no dial da AM, foi criada por Israel Pinheiro, para unir o Brasil rural à capital de Minas. Por muitos e muitos anos cumpriu seu papel de propagar música, informação, cultura e cidadania aos quatro cantos de Minas Gerais, do Brasil, e do mundo, ganhando carinhosamente o apelido de Gigante do Ar, tamanha sua importância para a história.
Os fatos mais relevantes eram noticiados pela Rádio Inconfidência AM, Copas do Mundo foram narradas pelo saudoso Jairo Anatólio Lima, e pelo AM também passaram grandes artistas como Orlando Silva, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Carmem Miranda, Clara Nunes, Gonzaguinha e muitos outros.
Nas últimas décadas, o Gigante foi ficando esquecido. Sucateado por várias direções que passaram pela rádio, o AM deixou de ser interessante aos governantes. Mesmo mantendo sua potência, seu alcance e sua história. Foi sobrevivendo pelas mãos de funcionários dedicados, que entenderam a importância dessa continuidade.
Eis que em 2019, já agonizando, recebe sua sentença de morte, justificada por um decreto assinado por Dilma Roussef, em 2013, que autoriza as rádios AM a fazerem uma migração para o FM.
Não há mesmo vida para o AM? A sociedade não foi comunicada sobre isso
Ao assumir a direção da Rádio Inconfidência, o presidente da emissora, Ronan Scoralick, não precisou se esforçar para buscar embasamento, já que recebeu do diretor técnico da emissora um dossiê pronto, construído por anos, debaixo do nariz de funcionários que o desconheciam.
A Rádio AM está literalmente por "um fio", justificou Scoralick. Embora pese a questão técnica, que não pode ser desvalorizada, a imposição sobre o fechamento e demissão dos funcionários concursados veio sem consulta prévia, sem diálogo com a sociedade, sem espaço para manifestações, de nenhuma das últimas direções que por ali passaram.
A Rádio Inconfidência AM é um patrimônio dos mineiros, é um ativo do Estado, é um bem público. Não se fecha uma rádio como se desliga uma torneira, sob a alegação de gastos, e com justificativas de que não há mais vida para essa tecnologia. Não há mesmo vida para o AM? A sociedade não foi comunicada sobre isso. Os trabalhadores da rádio, desrespeitados por quem esteve em seu comando, sequer foram inseridos nessa discussão tão importante, pública.
Amparados e organizados pelo Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, do qual sou diretora, os trabalhadores reagiram e criaram a campanha #ficainconfidencia nas redes sociais. Não foi preciso fazer força para integrar jornalistas, ouvintes, artistas e toda sociedade nessa luta. Os vídeos foram chegando, ocupando todos os espaços, agregando pessoas de todo os Estado. Nesta quinta-feira, provocado pelo Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, os deputados Celinho Sintrocel, André Quintão e Beatriz Cerqueira comandaram uma audiência pública, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
A casa do povo lotou! Funcionários, artistas, ouvintes e ex-funcionários participaram do debate sobre o desmonte do AM e a demissão dos concursados. A justificativa do fechamento, que inicialmente era também orçamentária, ficou centrada na questão técnica. Fato que sustentou a inviabilidade da manutenção do AM. Ao fim da audiência houve um recuo do Governo, que disse que não vai demitir os concursados e que manterá o AM funcionando.
O fim de uma rádio não é apenas o encerramento de sua transmissão. Essa é uma discussão que envolve vários atores. O debate não terminou, é preciso trazer a público o processo de migração, sua obrigatoriedade, seus prazos, e ampliar essa discussão. O Gigante do Ar ganhou fôlego, ganhou vida! Todo movimento em prol de sua sobrevivência mostrou que evoluir não significa apenas romper com o passado, mas criar condições para o futuro. Isso só é possível com transparência, e são estes termos que defenderemos.
A próxima audiência pública será dia 23, terça-feira próxima, às 19 horas, no auditória do subsolo. Estão todos convidados!
*Lina Rocha é jornalista e diretora do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais
Edição: Rafaella Dotta