O governador Romeu Zema (Novo) quer privatizar a Cemig. Foi o que ele repetiu a investidores estrangeiros, na quinta (11), em Nova Iorque (EUA). A novidade é que, pela primeira vez, Zema estabelece um prazo: ele quer abrir mão das ações do Estado na Cemig até o meio do ano. Hoje, o Estado detém 17% do total das ações ordinárias e preferenciais, mas, das ordinárias, que dão direito a voto, Minas possui 51%, o que permite ser o protagonista da política da empresa.
As declarações vêm poucos dias após a empresa anunciar um lucro líquido de R$ 1,7 bilhão em 2018 (70% a mais que em 2017). Dados de 2015 apontam que a companhia é responsável por 5.06% da geração de energia no país, 5,8% da transmissão (7,5 mil quilômetros de linhas) e 10,26% da distribuição.
Por que uma empresa tão lucrativa, com mercado consumidor garantido e uma importância estratégica deveria ser vendida pelo governo? Os advogados das privatizações prometem três grandes benefícios: redução do déficit público; aumento da concorrência, diminuindo os preços; melhoria da qualidade dos serviços. Mas o que a experiência diz sobre essas promessas?
Redução do déficit?
Zema alega que o dinheiro da privatização ajudaria a reduzir o déficit (relação entre despesas e receitas), aliviando as contas públicas. Em valores atuais, se Minas vender suas ações, o governo deve obter cerca de R$ 4 bilhões, pouco mais que um mês de folha de pagamento do Estado de Minas Gerais. Isso, segundo economistas, traria um alívio momentâneo, mas não impediria o crescimento do déficit.
“A Cemig não tem relação com a causa do déficit. Muito pelo contrário, ela até contribui para o caixa do Estado, que recebe anualmente uma parte dos dividendos. Qual a racionalidade de abrir mão do protagonismo do setor de energia? Vende 17% da empresa e abre mão de 51%? Isso significa abrir mão de possibilidades de desenvolvimento futuro, interferência pelo bem público e a sociedade”, questiona o economista Carlos Machado, assessor do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Queda de preços?
Outra crença dos privatistas prega que, privatizando, a concorrência vai aumentar e, automaticamente, o preço vai cair. Jefferson Silva, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG), lembra que não foi bem isso o que aconteceu em outros casos. “As distribuidoras privatizadas em 2018 tiveram propostas de reajuste de tarifa e, em algumas delas, o reajuste chegou a 38% no ano”, exemplifica, destacando o que aconteceu com as usinas de Jaguara, Volta Grande, Miranda e São Simão, vendidas em 2017 a empresas públicas estrangeiras. “Essas usinas eram remuneradas em R$ 66 a cada megawatt hora de energia. No edital de venda, na canetada, foi ofertado R$ 142 a cada megawatt/hora”.
Em 2015, o Dieese publicou um estudo mostrando que, em países onde predomina o capital estatal, as três maiores empresas do ramo concentram menos de 50% do mercado. Já nos países onde predomina o capital privado, como Estados Unidos e Espanha, as três maiores empresas controlam pelo menos 60% do mercado.
O economista Carlos Machado explica que, no segmento da distribuição de energia elétrica, não faz o menor sentido imaginar uma real concorrência, pois há um monopólio natural no setor. “É impossível visualizar duas distribuidoras no mesmo espaço. Imagine duas ou mais redes elétricas competindo. Para a sociedade, aumentaria o custo do fornecimento. Pode ser factível regionalmente uma empresa no Norte do estado, outra no Sul, mas elas não concorreriam entre si”, comenta.
Já na geração de energia, a venda de usinas também não implica queda de preços, visto que as distribuidoras já têm a opção de comprar em um mercado nacional integrado. “A energia que consumimos, a Cemig Distribuição compra no mercado de energia. Só uma pequena parte vem da Cemig Geração, que vende energia no Brasil inteiro”, conta. O que poderia aumentar as opções de compra das famílias seria a portabilidade, proposta que está sendo discutida pelo Congresso Nacional. “Se a portabilidade for aprovada, o consumidor vai poder escolher de qual gerador comprar. Então, a concorrência nesse segmento não passa pela venda das usinas”, explica.
O economista acrescenta que, numa situação de monopólio natural, o que permite controlar o preço é a regulação do setor. No Brasil, esse trabalho é feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que determina a tarifa e fiscaliza, acompanha e exige determinado patamar de qualidade. Na definição da tarifa, a agência simula os custos na hipótese de que houvesse concorrência entre as empresas.
“As empresas funcionam como se tivessem concorrência e só cobram na tarifa que a Aneel prevê. Então, uma empresa pode ser ineficiente, desperdiçar material, contratar mais gente, mas esses custos não vão para a tarifa. Há cinco anos, a Cemig tinha um custo maior do que o custo da Aneel, mas isso não repercutiu em nada na tarifa e, nos últimos anos, a Cemig promoveu fortes ajustes nos seus custos”, afirma. O quadro de pessoal da empresa passou de cerca de 8 mil funcionários para 6 mil.
Melhor qualidade?
Quem crê que as empresas privadas são sempre melhores espera que a qualidade do serviço também melhore. Mas uma empresa privada tem como objetivo central buscar o maior lucro possível, o que, com frequência, se faz reduzindo pessoal, contratando trabalhadores com salários mais baixos, perdendo capacidade técnica de funcionários mais experientes, terceirizando e priorizando áreas que dão lucro, em detrimento de áreas menos populosas. Essas medidas, por sua vez, interferem no atendimento ao consumidor. Para Jefferson Silva, do Sindieletro, isto já está sendo feito por Zema, com vistas na privatização.
"O governador diz que vai sanear a Cemig para vendê-la. Ele já está fazendo isso: reduziu mais de 50 localidades, que são postos de trabalho ocupados por eletricistas em pequenas cidades do interior, que fazem o primeiro atendimento, em caso de falta de energia e manutenção da rede. Eles foram transferidos para cidades pólo, para dar manutenção em regiões de maior abrangência territorial. Isso, obviamente, aumenta o tempo da indisponibilidade de energia, pois aumenta o tempo de deslocamento até o local”, conclui.
Edição: Joana Tavares