Na comunidade de Nossa Senhora Aparecida, em Teixeiras, na Zona da Mata mineira, moram cerca de 50 famílias em um lugar marcado pela tranquilidade e pela religião. Para todos os lados se vê bosques, nascentes, plantios, casas com alpendre e gente simples. Mas há quase um mês os sons da zona rural foram substituídos por medo e por um eterno “pi pi pi” dos caminhões da mineração.
A empresa Zona da Mata Mineração ocupa um terreno na comunidade desde 14 de março, com o objetivo de construir uma unidade de tratamento e explorar o minério magnetita. A autorização da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) permite a mineração de 300 mil toneladas por ano, ao longo de 10 anos, nas cidades de Teixeiras e Pedra do Anta. A mineradora ainda requere autorização para São Miguel do Anta, Coimbra, São Geraldo, Visconde do Rio Branco e Ubá. Além da captação de 36 milhões de litros de água por mês, que daria para abastecer cerca de 3 mil famílias.
Nenhum diálogo
Os moradores se dizem assustados e sem informações. “A mineradora chegou sem muitas explicações”, conta Marlene Fialho, que mora há 200 metros de onde a terra será cavada e explorada. “O que vai acontecer com a água, o ar, a poeira que com certeza vai causar? Hoje tem muito verde, tudo limpinho. Com a chegada da mineradora, isso permanece?”, questiona.
Em julho de 2018, quando a prefeitura realizou melhorias em parte da estrada - do terreno que a Zona da Mata Mineração iria ocupar até o asfalto - a comunidade se alertou. Fizeram reuniões, descreve Marlene, em que representantes da empresa apareceram sem ser convidados. Em outra ocasião, a empresa teria convocado um encontro, porém, sem informações precisas. “Não tem respostas. Apesar de a mineradora falar que terá, sim, impacto”.
Até o dia 4 de abril os moradores não tinham conseguido acesso ao Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA RIMA). É nele que a empresa detalha os prejuízos ambientais e sociais previstos com o empreendimento, como o número de nascentes e de famílias que podem ser afetadas. Incorreções neste relatório já resultaram, em outros casos, em embargo do projeto.
Mineradora não enxerga atingidos
Até o momento, diz Gilmar Fialho de Freitas, morador e coordenador paroquial da Comunidade Nossa Senhora Aparecida, somente quatro famílias foram consideradas “atingidas”, ou “beneficiárias”. A Zona da Mata Mineração fechou contrato com os proprietários dos terrenos que serão minerados ou usados para as instalações da empresa. As demais famílias não foram vistas como atingidas, mas terão que conviver com poeira e doenças respiratórias, possível falta de água, trânsito intenso e desvalorização do seu terreno.
“Parece nem ser verdade, mas é um fato. Toda a vizinhança, inclusive oito famílias que são confrontantes com a área, até hoje não têm uma explicação se são ou não atingidas. E não há como ter negociação se a mineradora não reconhece”, interroga Gilmar. Segundo Gilmar, os moradores procuraram a prefeitura, que colocou os acionistas da mineradora para tratar com a comunidade.
O advogado José Ignácio Esperança, que atua no caso, explica que o reconhecimento coletivo é o caminho mais rápido para uma reparação, pois processos individuais podem demorar até 15 anos. Ele faz críticas à Prefeitura de Teixeiras, que poderia cumprir o papel de auxiliar a comunidade, mas não o faz. “A prefeitura tem possibilidade de convocar audiência pública, levantar quem são os atingidos, fazer termo de ajustamento. Mas só estão preocupados com o CEFEM [imposto que a prefeitura receberá da mineradora]”.
Depoimentos
“Eu frequento a hemodiálise três vezes por semana e a poeira é um veneno pra nós. Chegando lá sou obrigada a lavar o braço, esterilizar, que hemodiálise é uma coisa muito difícil. O carro está todo empoeirado. A poeira já começou”, moradora Marília Lopes Nogueira Fialho.
“Nasci aqui, há 53 anos. Assim que eles falaram que ia ter a mineradora, imaginei que talvez a gente teria que mudar. Agora não é mais talvez, a gente não vai poder ficar. Poeira, barulho, muitas pessoas no lugar, dia e noite, isso vai incomodar muito”, expõe a moradora Maria Lúcia Fialho. Ela trabalha “na rua”, que é como os moradores chamam a área urbana, mas gosta mesmo de morar na comunidade. Agora, seus planos podem mudar drasticamente. “Eu tenho muito medo”, terminou.
Dona Jandira Sabino dos Santos está ainda construindo a sua casa, que é “bem pertinho do perigo”, como ela diz. “A gente mais preocupa é com a poeira que vai pra todo lado. E também qual vai ser a condição da gente ir pro ponto [de ônibus] a pé. Eu tenho que batalhar a pé, não tenho condução em casa. Preocupo com os caminhões grandes passando, com medo de ser atropelada”, diz dona Jandira.
“A capela vai ser destruída?”
A comunidade Nossa Senhora Aparecida tem também patrimônios religiosos com os quais se preocupa. Com uma tradição de quase 100 anos, acontece em agosto uma festa à santa, que em 2017 teve a visita do padre Lucas Emanuel e da imagem oficial de Nossa Senhora Aparecida. Dia que as comunidades vizinhas estiveram presentes com a imagem de seus padroeiros e suas devoções.
Além de um calendário cheio de datas religiosas, a comunidade tem enorme apreço por uma capela construída há 15 anos, que ficará a 150 metros da mineração. Neide Aparecida de Souza Fialho, uma das construtoras da capela, se refere a ela como “relíquia” e tem certeza de que, afetando essa tradição, a mineradora fere a “alma da comunidade”.
Respostas
Em contraposição, o Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos de Teixeiras, Eduardo Lopes Drumond, alega que a autorização da mineração é competência dos governos federal e estadual. “A atuação do município até agora foi enviar um projeto de lei para a Câmara [dos vereadores] e regulamentar a CEFEM, para um convênio com o município de Pedra do Anta, porque a jazida está no limítrofe dos dois municípios”, afirma o secretário.
A prefeitura prepara também um projeto de rota alternativa, de 4 km, para o trânsito dos caminhões da mineração, que tinha como ideia original passar por dentro do município. O secretário garante que a prefeitura irá analisar a outorga e o licenciamento ambiental quando for solicitado o alvará de funcionamento para a mineradora.
Um dos acionistas da ZMM, Roberto Emil, argumenta que não há lei que obrigue indenizações a famílias atingidas, mas apenas os contratos nos terrenos minerados e usados para instalações. Afirma ainda que o EIA RIMA foi mostrado a todos os interessados.
Edição: Joana Tavares