Alguns podem se perguntar: mas por que um artigo sobre o Cruzeiro vem falar da história da cantora Clara Nunes? Existem muitas semelhanças na trajetória do clube mineiro e da cantora que ligam o azul e branco do futebol com o azul e branco do samba.
Uma mineira de Paraopeba, nascida em 1943, foi ainda adolescente para Belo Horizonte trabalhar como tecelã em uma fábrica de tecidos.
Clara já cantava nas quermesses do bairro operário Renascença, onde morava e trabalhava, na região Nordeste da capital mineira. Ali mesmo conheceu um grande músico mineiro da época, muito estimado pela torcida cruzeirense, chamado Jadir Ambrósio, um instrumentista e sambista negro, compositor do hino do Cruzeiro.
Mesmo não sendo da elite, a boêmia aproximou Jadir de figuras importantes do Estado, como o presidente Juscelino Kubitschek. Clara, ao contrário de Juscelino, não era conhecida quando Jadir se depara com ela. Ele, violonista na festa da igreja, a recebe para uma apresentação musical pela primeira vez. Diante da potência de Clara como artista, Jadir a apresenta para radialistas da Rádio Inconfidência, onde ela gravaria seus primeiros sambas, inclusive compostos pelo próprio Jadir, como “Vida Cruel”.
A tradição do samba em Minas se fazia presente em Belo Horizonte. Já em 1960, Clara Nunes ganha a fase mineira de um concurso de cantores/as chamado “A Voz de Ouro ABC” e, no ano seguinte, recebeu o troféu Ari Barroso de melhor cantora de rádio em Minas Gerais.
No entanto, o mais interessante de toda essa história futebolesco-sambística é que, além da parceria com o cruzeirense Jadir, Clara Nunes começa a cantar profissionalmente no Cruzeiro Esporte Clube, na sede do Barro Preto. A identidade cruzeirense de Clara era forte o suficiente, que ao se mudar para o Rio, a cantora passa a admirar a Portela por causa do seu azul e branco, sem nunca ter visto um desfile da escola de samba até então. Em entrevista à Rádio Bandeirantes, no ano de dezembro de 1981, Clara é precisa ao afirmar porque adotou a Portela como sua escola de samba: “começou por causa da cor, azul e branco. A primeira coisa. Porque eu, em Belo Horizonte, sou cruzeirense, eu comecei a cantar no Cruzeiro Esporte Clube. (...) Aí, começou aquela coisa de achar a Portela, por causa do azul e branco.”
Em 2019, Clara Nunes foi homenageada como enredo do desfile da Portela, por ter sido uma das maiores representantes e entusiastas da escola de samba de Madureira. Mal sabem que devem muito também a um clube de trabalhadores com cinco estrelas no peito, da capital mineira, pela devoção da rainha do samba à própria escola, que hoje também é sinônimo de Clara Nunes. Da mesma forma que a diretoria do Cruzeiro pouco sabe e nada resgata de uma de suas maiores ilustres torcedoras.
Não por acaso, quando Clara canta a plenos pulmões em homenagem à Portela, não é um absurdo dizer que também canta a sua inspiração ao Cruzeiro, já que ecoa na voz da mineira guerreira, filha de Ogum com Iansã, de sangue e alma azul e branco.
*Gladstone Leonel Jr. É cruzeirense, portelense e professor de Direito da Universidade Federal Fluminense
Edição: Wallace Oliveira