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Educação sexual previne muitas violências, diz professor

Conhecimento pode contribuir para evitar abusos, gravidez na adolescência, feminicídio e evasão

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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Conteúdos podem ser aplicados dos 5 até os 18 anos e devem ser adequados às idades das crianças e jovens
Conteúdos podem ser aplicados dos 5 até os 18 anos e devem ser adequados às idades das crianças e jovens - Foto: Reprodução

Em mesas de bar, na mídia ou em jantares de família, uma coisa é certa: a educação sexual pode gerar muita polêmica. Após o tema ser usado por Jair Bolsonaro (PSL) como mote de sua campanha à Presidência da República em 2018, muitas confusões foram espalhadas por aí. Mas, será mesmo que os professores andam pelas salas de aula incitando a destruição da família? Ou eles ensinam crianças a se tornarem homossexuais?

Na verdade, um esboço do que é o ensino atual da sexualidade começou no Brasil na década de 1980, com foco no aumento dos índices de gravidez indesejada entre adolescentes e de contaminação pelo HIV.

Hoje, além de instruir para o uso de contraceptivos, outras doenças sexualmente transmissíveis e demais aspectos biológicos, a educação sexual para os jovens segue orientações técnicas da Organização das Nações Unidas para a Educação, Cultura e Esporte (Unesco).

Elas indicam a abordagem de questões emocionais e sociais da sexualidade, ressaltando que as aulas devem servir para desenvolver o saber em busca de escolhas mais saudáveis e responsáveis sobre relacionamentos, sexo e reprodução.

As diretrizes foram criadas a partir de políticas públicas aplicadas em diferentes países e levantam pontos como privacidade, consentimento, orientação sexual e igualdade de gênero. O órgão cita que os conteúdos podem ser aplicados dos 5 até os 18 anos e devem ser adequados às idades das crianças e jovens.

Violência contra as mulheres

"Na minha aula levo, por exemplo, pesquisas que falam do número de abusos contra mulheres, quem são os abusadores e as abusadas, pergunto por que a incidência de vítimas é maior entre a população feminina, etc.", diz a professora de sociologia da rede estadual de Minas Gerais Isabela Gonçalves. Ela leciona para o ensino médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA), e destaca que o objetivo é a prevenção.

De acordo com registros do Sistema Único de Saúde (SUS) divulgados em novembro de 2018, 49,5 mil meninas de 10 a 19 anos foram estupradas de 2011 a 2016 – média de 23 por dia. Em 58% das ocorrências, o crime aconteceu dentro de casa: 36% dos autores eram familiares ou companheiros das vítimas.

"Já tive relato de aluna que reconheceu um abuso depois de uma aula de gênero e sexualidade. Só aí ela teve coragem de conversar com alguém, me procurou. Ela era da EJA, tinha 35 anos e o abusador morava no mesmo lote que ela", lembra Isabela. A docente narra outro momento, em que um aluno descobriu durante a aula que as meninas se sentiam desconfortáveis com suas cantadas de rua. "Ele mudou a atitude com as colegas. E esse é o desejo, que os jovens possam ser autônomos na discussão desses assuntos".

Na contramão

Apesar dos dados, o presidente Bolsonaro defende que “quem ensina sexo para a criança é o papai e a mamãe”, como afirmou em transmissão ao vivo em sua página no Facebook.

Recentemente, ele sugeriu que os pais rasgassem as páginas sobre educação sexual da Caderneta de Saúde do Adolescente, adotada durante as gestões de Dilma Rousseff (PT). São dois livros, um para meninos e outro para meninas, que podem ser baixados aqui.

Entre as informações que deveriam ser retiradas, segundo o presidente, estão as que contém desenhos com instruções de como colocar a camisinha masculina e feminina e as que falam como deve ser feita a higiene da genitália, além daquelas que explicam as alterações do corpo com a puberdade.

Para o professor Thales Santos, esta não seria uma boa estratégia pedagógica. “Assim como qualquer outra disciplina, podemos ter profissionais que não trabalham a temática de forma adequada, mas não é por isso que devemos deixar de falar sobre sexualidade. Se a gente tem um professor de matemática que ensina equação de segundo grau de um jeito péssimo, não vamos simplesmente cortar esse conteúdo da escola", opina. 

Ele, que também dá aula de sociologia na rede pública do estado de Minas Gerais, declara que a maioria de seus alunos confidenciou não ter liberdade para tratar do assunto em casa por vergonha, religião ou por ser um tabu para a família.

"Para uma criança saber que foi abusada, ela precisa saber antes o que é abuso. A sala de aula é um espaço de conversa que previne muitas violências”, diz Thales, que procura discutir com os adolescentes a existência de vários tipos de identidades para acolher as diferenças que já existem na sociedade. “Precisamos dar informação, não é para estimular nada, mas prevenir o suicídio, que é uma das principais causas de morte dos jovens e que acontece muito por causa da homofobia”.

O suicídio é a quarta principal causa de morte entre jovens brasileiros de 15 a 29 anos. Pessoas LGBT teriam seis vezes mais chance de tirar a própria vida quando inseridos em ambientes homofóbicos, aponta um levantamento do Grupo Gay da Bahia.

Experiência

Análises sobre a precaução mostram que programas de educação sexual estariam melhorando cenários. O projeto Saúde e Prevenção nas Escolas, existe desde 2003 no país e sua última pesquisa, de junho de 2018, revelou que nos últimos dez anos o número de jovens que usou camisinha na primeira relação passou de 48% para 68%.

Segundo dados do Ministério da Saúde, de 2004 a 2015 a educação sexual contribuiu para diminuir a gravidez na adolescência, com uma queda de 17%.

Especialistas da área defendem que a estratégia pode abaixar, ainda, o número de evasão escolar, feminicídio e outros problemas.  

Naturalização da sexualidade

Vários países possuem o ensino da educação sexual na grade escolar. Na Alemanha, é lei vigente em todos os 16 estados. Uma situação parecida é da Holanda, que procura tratar do assunto desde os 4 anos de idade, correspondendo às dúvidas de cada faixa etária. Na Irlanda, o ensino básico conta com a disciplina Educação Social, Pessoal e para a Saúde que, entre outras questões, fala de sexualidade. O Ministério da Educação da Inglaterra também recomenda que as escolas do 1º ao 6º ano tenham um programa de educação sexual e de relacionamento.

Edição: Elis Almeida