Ele está onde não queria, exercendo uma função para a qual não é preparado
Com quase seis meses à frente do governo de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), confessou em entrevista recente que se surpreendeu com a vitória nas eleições. Talvez esse susto explique parte da falta de empenho em governar o estado. Ele está onde não queria, exercendo uma função para a qual não é preparado, convivendo com pessoas que parece não respeitar e tendo como patrão o povo, do qual certamente não gosta. Nem faz força para gostar.
O resultado tem sido um governo anódino e sem projetos. O discurso da atual administração é todo voltado para o ressentimento com a administração anterior e para definir o Estado como um caixa de dever e haver. O governador despreza a política, adora falar em gestão como se o discurso garantisse sua falsa ideologia meritocrática, não dialoga com os representantes do legislativo, com as forças políticas ou com os movimentos sociais. Seu ouvido está licitado para as entidades produtivas e para o capital. Como governador, viajou mais aos Estados Unidos que ao interior de Minas.
Nesse período ganharam destaques ações de desmonte de políticas públicas ou de tentativa de abrir as portas do setor público para o mercado. Ameaças à educação, segurança, empresas estatais, cultura, meio ambiente e, mais recentemente, no esporte, deixam clara a inspiração fiscalista do executivo: tudo é cortável para garantir fluxo de caixa. No entanto, em cada uma dessas áreas, o que está por trás não é a austeridade ou contenção de gastos, mas o projeto de transferência do patrimônio e serviços públicos para o mercado. Zema detesta o Estado.
É possível, e até necessário numa democracia, que o debate sobre o papel do poder público e da iniciativa privada estejam sempre em evidência, desde que não se entre no campo dos direitos inalienáveis. No entanto, o que se observa em Minas Gerais é uma completa negação da função do Estado, com vistas à abertura de um mercado altamente lucrativo para a iniciativa privada. Ultraliberal, Zema não governa, atua como emissário do mercado. Seu papel, como ele próprio faz questão de definir, é facilitar a vida de quem quer empreender. E tirar o Estado da reta.
Nessa lógica, se torna mais importante flexibilizar a legislação ambiental do que combater a destruição do meio ambiente. O empenho em retomar a mineração ganhou muito mais dedicação do governador do que a apuração e punição exemplar dos criminosos que mataram dezenas de pessoas em Brumadinho e que hoje seguem com o rastro de mortes anunciadas em Barão de Cocais. Juntamente com a Fiemg e outras entidades empresariais, Zema saiu a campo para defender a mineração. Ele sofre muito mais no bolso do que no coração.
A mesma forma de governar para o mercado e para as coisas, e não para a sociedade e as pessoas, está presente em outras áreas da administração estadual. Em vez de se debater políticas públicas, o governo tem se esmerado em propor cortes, privatizações e anunciar restrições nos programas sociais. Há um desvio ético em favor do mercado que se torna quase um problema de caráter, no sentido psicológico: as pessoas são apenas consequências de relações materiais.
Numa atitude que expressa toda a antipatia em relação ao patrimônio público, durante a comemoração do dia da indústria, Zema afirmou que a Cemig emperra o desenvolvimento do estado. Criada para garantir o crescimento e diversificação da economia mineira, a empresa de energia se tornou um padrão da utilização racional de recursos estratégicos, que não podem ficar submetidos à lógica do lucro. Quando o governo se propõe a se retirar da execução, passando para o mercado a operação da riqueza social, estão dadas as condições de destruição do sentido solidário e emancipador de desenvolvimento como projeto coletivo.
Zema não atua em favor da racionalidade do mercado, mas da lucratividade de seus condutores. A ideia de que o estado é um peso para o produtor, que tem sido repetida insistentemente pelo governador, não poderia ser mais exemplar. O Estado, para ele, não existe para o cidadão, mas para o empresário. Na moral de oportunidade do mandatário, os ganhos coletivos seriam consequência dos ganhos particulares. A velha falácia de que vícios privados gerariam benefícios coletivos.
Em outras palavras, é melhor explorar o trabalho do que amargar o desemprego; destruir o meio ambiente do que deixar de extrair riquezas do solo de forma criminosa e assassina; envenenar a lavoura para ser competitivo no mercado de grãos. Entregar empresas estatais estratégicas para garantir recursos para pagar dívidas com o sistema financeiro; afrouxar as regras de controle para ganhar em competitividade a qualquer custo. Entregar a educação pública aos militares em vez de investir nos profissionais; reduzir a comunicação pública ao interesse estatal e à lógica venal do mercado.
Para levar adiante a política de arrasa-Estado, Zema precisa passar por cima da política em si, como vem fazendo. Não dialoga com os parlamentares eleitos, com os prefeitos, com as lideranças populares ou com o funcionalismo. Despreza toda forma de representação. Com um autoritarismo mais acanhado do que o de Bolsonaro, mas mesmo assim autoritarismo, assume a via populista reacionária, se escudando nos votos recebidos para deixar de prestar contas à cidadania. No entanto, a cada dia, trai seu eleitor descumprindo promessas de campanha.
Zema não é um mau governador pelo simples fato de que não governa, no sentido mais nobre da palavra. Seu trabalho é limpar a área para os interesses do mercado, privatizando, retirando controles, retraindo investimentos sociais. Preposto do mercado, ele não se preocupa com desgastes, por que só deve obediência ao projeto entreguista que representa. Nisso, tem tudo para ser bem-sucedido em sua missão: ser um vitorioso empreendedor da destruição do Estado.
Edição: Elis Almeida