Apesar do alerta dado em fevereiro deste ano, a barragem da Vale em Barão de Cocais, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, não se rompeu, mas já deixa impactos severos na população. Moradores atingidos pela “lama invisível”, denunciam uma série de direitos humanos que já foram violados pela mineradora.
Cerca de 500 moradores de comunidades mais próximas da mina do Gongo Soco foram evacuados, mas outros 6 mil ribeirinhos, que moram às margens do São João, ainda permanecem em suas casas. Desses, a Vale retirou somente as pessoas com dificuldade de mobilidade, acamadas e cadeirantes.
Tatiane Eva Ferreira é estudante e trabalha como atendente em uma pequena mercearia, na avenida que foi toda marcada com tinta laranja, indicando que faz parte da área que será atingida em caso de rompimento. Ela conta que se desesperou ao receber a notícia que seu local de trabalho e sua casa – localizada ao lado da mercearia – estão na rota da lama. “A sensação é muito ruim, de não conseguir dormir à noite, pensando que a qualquer momento a barragem pode romper. E a Vale não fala nada. Até o momento, eles não passaram aqui para conversar com a gente”, desabafa.
A falta de informação é a principal denúncia que os moradores de Barão de Cocais fazem. “A Vale chega para nós e não fala nada. O que a gente escuta nas reuniões são coisas repetidas. E a gente fica sem acreditar, porque o que se viu de Mariana que foi resolvido? O que se viu de Brumadinho do que foi prometido?”, questiona José Carlos da Silva, mecânico de uma oficina que também fica na área que pode ser afetada em caso de rompimento.
Assim como Tatiane, José Carlos trabalha em constante alerta esperando o barulho da sirene. Em sua pequena oficina, ele já suspendeu as peças de maior valor, aros e bicicletas mais caras estão presas no alto das paredes. Como forma de se preparar psicologicamente, José Carlos já combinou o que fazer caso haja o rompimento: ele se responsabiliza em trancar o local, enquanto a irmã pega seu sobrinho de quatro anos e as malas, que já estão prontas desde fevereiro.
Apesar disso, José Carlos questiona se realmente a lama chegará na cidade, onde vive desde 1995 e, portanto, conhece bastante o território. Uma análise que ele faz, é que uma das possibilidades é, se a barragem romper, o rejeito pode bater direto em uma montanha, perder velocidade e não ir diretamente para a cidade. O alarde feito pela Vale, de acordo com o mecânico, poderia estar relacionado com a estratégia de ampliação da mineração na região. José Carlos conta que a empresa tenta, “sem forçar”, comprar terras nas comunidades que foram evacuadas desde os anos 1990.
Mesmo com essa possibilidade, a tensão sobre o que pode acontecer permanece. “Ninguém sabe o que a natureza vai fazer, ninguém sabe o que está acontecendo. Ainda tem chance de descer tudo de uma vez, aí sim teria material para jogar aquela água que está dentro da cava para fora. É um mundo de água. É um tsunami passando por aqui”, ressalta.
Além da falta de informação e da tensão, atingidos relataram à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que realizou uma visita técnica à cidade na terça (4), que o comércio, o turismo e a cultura da região já foram afetadas pela situação. Os trabalhadores da mina estão utilizando um chip, implantado pela Vale, que viabiliza o monitoramento e a localização da pessoa. Impactos na educação das crianças e na saúde da população também foram questões abordadas.
“O impacto é muito grande. Tem uma pizzaria na beira do rio, você chega lá e não encontra ninguém. Sobre a saúde mental e emocional, não dá para calcular o estrago que isso faz nas pessoas. [A situação] tirou a paz da comunidade, tirou a paz do povo. E são coisas que não tem como avaliar, em termos de dinheiro. Isto não tem preço: o sossego, a paz, a vida, a história”, desaba o padre José Antônio de Oliveira, pároco do Santuário São João Batista.
Na atividade organizada pela Comissão, estiveram presentes as deputadas Andréia de Jesus (PSOL) e Leninha (PT), os deputados Betão (PT) e Celinho (PCdoB), representantes do mandato da deputada Beatriz Cerqueira (PT), membros do Ministério Público e da Defensoria Pública, Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e outras organizações populares. Uma audiência pública em Barão de Cocais, para debater o tema, está marcada para o dia 28 de junho.
A Vale afirma em nota que “não há elementos técnicos” para afirmar que o escorregamento do talude causará a ruptura da barragem Sul Superior. A cava e a barragem estão sendo monitoradas 24h por dia e ações preventivas de engenharia estão sendo executadas. Desde maio, a mineradora realiza, na região da barragem, terraplenagens, contenções com telas metálicas e posicionamento de blocos de granito. “Essa obra atuará como barreira física no sentido de reduzir a velocidade de avanço de uma possível mancha, contendo o espalhamento do material a uma área mais restrita”, diz a nota publicada na página da empresa.
Edição: Elis Almeida