De acordo com os nossos estudos aqui publicados, estamos diante de um fenômeno que, na política, chamamos de mito político e que, no nosso caso, guarda intensas semelhanças com o processo que levou Hitler ao poder na Alemanha. Enquanto na Europa espalharam o terror na sociedade disseminando o mito da conspiração judaica, no Brasil, a extrema direita inculcou na cabeça, principalmente da classe média, a ideia de que o Foro de São Paulo seria uma organização criminosa que intencionava implantar uma ditadura comunista-bolivariana por toda a América Latina (a Ursal) e que a continuidade do PT no poder iria transformar o Brasil numa Cuba ou Venezuela.
Com a finalidade de investigar a extensão do público afetado pelo mito do complô comunista supostamente organizado pelo Foro de São Paulo, construí, junto aos meus alunos do curso de direito das unidades Coração Eucarístico e de Betim da Puc Minas, um modelo de questionário eletrônico, ficando cada grupo de três alunos incumbido de obter 50 questionários respondidos. A pesquisa de campo se deu no círculo de convívio dos alunos, dentro da própria universidade, nas famílias, nos locais de trabalho e nos ambientes de lazer. Ou seja, não foi construída uma amostra da população brasileira e nem foram colhidas respostas em todo território, de modo que os dados obtidos nos permitiram um indicativo da força explicativa de nossa hipótese e não a confirmação da mesma.
Obtivemos a participação de 1.257 respondentes. A maior parte deles, 882, foi de jovens de 16 a 29 anos de idade, seguida dos adultos de 30 a 59 anos, 333, e dos idosos, acima de 60 anos, 42.
Quanto ao sexo, 705 (56,1%) se declararam do sexo feminino, contra 548 (43,6%) do sexo masculino. Quanto à raça-cor e a classe social, obtivemos os seguinte resultados:
Como pode ser observado, os nossos respondentes são em maioria jovens e adultos, levemente tendendo ao sexo feminino, de cor branca, mais de 50%, e de renda média, 68,8%. A esses, perguntamos se conheciam o Foro de São Paulo e, aos que afirmaram conhecer, perguntamos se as informações que possuíam eram positivas ou negativas.
Dos 1.257 entrevistados, 567 possuíam referências sobre o Foro de São Paulo e, dentre eles, 369 possuíam referências negativas sobre o mesmo.
Ou seja, quase a metade dos participantes, 45,1%, possuía informações e, dentre eles, a maioria, 65,1% compartilhava da opinião negativa sobre o Foro, sendo que o perfil desse respondentes, seguiu o perfil geral do apanhado: homens e mulheres, jovens e adultos, brancos e de classe média, em maioria. A este grupo de 369 indivíduos, que perfazem os 65,1% dos respondentes que obtiveram informações negativas sobre o Foro, indagamos se tais informações coincidia com a narrativa que o Sr. Olavo de Carvalho divulga nas redes sociais, bem como na mídia tradicional. Para isso, compilamos trechos de sua autoria, publicado por Felipe Moura[1], blogueiro da Veja e perguntamos aos informantes se a informação que possuíam, coincidia com a seguinte:
“Foro de São Paulo é a mais vasta organização política que já existiu na América Latina [...]. Ele reúne partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico como as Farc e o MIR chileno [...]. Numa convivência íntima, persistente, organizada e duradoura entre a política e o crime”.
Dentre os 369 respondentes, 289 (78,4%) afirmaram que a narrativa acima coincide com a informação que possuíam sobre o Foro de São Paulo. Quando consideramos esses 289, em relação ao universo pesquisado (1257), temos que representam 23% do total. Como dissemos, não pautamos a presente análise sobre uma amostra previamente definida, entretanto, os dados que obtivemos indicam que a nossa hipótese possui, além de sustentação teórica, fortes indícios empíricos de sua força explicativa.
A título de ilustração, apenas, se aplicarmos este percentual de 23%, ao total de cidadãos aptos a votar em 2018, 147.302.354 eleitores, temos que, 33.879.541 indivíduos podem terem sido tocados, em todo o Brasil, pelo mito da conspiração criado pelo astrólogo Olavo de Carvalho e divulgado pelas mídias sociais e tradicionais de direita. Número tão expressivo, que, se confirmado por uma base amostral correta, poderá confirmar que a grande narrativa que determinou os resultados das eleições de 2018, foi essa farsa forjada pela extrema direita e massificada por memes, fakenews nas redes sociais e por nossa perversa pseudo imprensa.
Dimas Antônio de Souza é professor de Ciência Política do Instituto de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Edição: Elis Almeida