Minas Gerais

EXPLORAÇÃO

Turismo: os bastidores do trabalho nas cidades históricas de MG

Funcionários de restaurantes relatam irregularidades, como jornadas de 15 horas e a proibição de se alimentar

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Denúncias não são exceção e profissionais do turismo estão cada vez mais expostos a afazeres precários
Denúncias não são exceção e profissionais do turismo estão cada vez mais expostos a afazeres precários - José Cruz / Agência Brasil

Visitar as cidades históricas de Minas Gerais é um desejo de muitos de nós, mortais. O frio da montanha, acompanhado de uma boa comida e de belíssimos patrimônios históricos são os chamariscos de cidades como Ouro Preto e Tiradentes. Mas atrás das cortinas do turismo, como será que vivem os trabalhadores que fazem esse cenário mágico acontecer?

Samira (nome fictício) trabalhou durante um ano e meio em um restaurante na praça central de Tiradentes. O município histórico, da região do Campo das Vertentes, foi o quarto do estado em números de avaliações na página Tripadvisor, usado pela Secretaria de Turismo de Minas Gerais para mensurar o turismo no estado. Tiradentes tem uma arquitetura antiga, ruas de paralelepípedo, uma grandiosa serra, a São José e, somado a isso, bares e restaurantes que oferecem um turismo gastronômico.

Samira se interessou pelo potencial da cidade, mas, quando contratada para garçonete, descobriu um trabalho exploratório. Além de atender as mesas, ela teria que participar da faxina do restaurante no seu dia de folga, “que não era moleza”, diz; os seus horários eram controlados pelos patrões e os 10% da taxa de serviço nunca chegaram inteiros até o seu bolso. A ex-garçonete, que depois trabalhou em outros restaurantes e lanchonetes na cidade, afirma que casos assim acontecem na maioria dos estabelecimentos.

“Dos 10% que você deveria receber, o funcionário recebe 8%, pois 2% equivale a tudo que você acidentalmente pode quebrar ou estragar no ambiente de trabalho. E os funcionários mais recentes chegam a receber até 6%”, indigna-se. “Em alguns lugares, eles te pagam a hora extra, mas não pagam os 10% dessas horas a mais, ou o contrário. Eles ainda dividem os 10% entre garçons e cozinheiros e se acham muito justos. Certo? Não! Eles fazem isso para não pagar um salário melhor para os cozinheiros, que seguram o nome do restaurante”.

A lei federal 13.419, aprovada em 2017, diz que a gorjeta ou a taxa de serviço deve ser repassada integralmente ao garçom e só pode ser dividida mediante um acordo formal. Só em um caso o patrão pode reter a comissão: se a quantia for anotada na carteira de trabalho e, assim, tiver descontados 2% ou 3% para o pagamento de encargos. Se for recebida em mãos, como alega Samira, ela deve ser integral.

“Dobradinha” obrigatória

Há 170 quilômetros dali, situações parecidas acontecem em bares e restaurantes da histórica Ouro Preto. Diego (nome fictício) mora na cidade há dois anos e combina o trabalho de garçom com aulas na Universidade Federal de Ouro Preto. Ele denuncia que as “dobradinhas” – as jornadas duplas de trabalho que podem chegar a 15 horas por dia – são exaustivas e obrigatórias.

“Quando você é contratado, o patrão diz que você pode fazer um extra para ganhar mais. Porém, depois de um tempo você descobre que é obrigado a fazer o extra, senão eles te mandam embora ou ficam de perseguição”, relata o rapaz.

Ainda mais sério, o garçom conta que geralmente recebe o almoço antes das 11h e “depois dessa refeição o funcionário está proibido de comer, mesmo que leve de casa, até o seu horário encerrar. Já me peguei no banheiro, comendo um pedaço de carne que um cliente não comeu, que eu tinha escondido no avental, e sempre ouço coisas desse tipo de colegas”, confessa.

Reclamações não são exceção

A turismóloga Laiaane Ozolio Mayrink afirma que as denúncias não são exceção e que os profissionais do turismo estão mais expostos a afazeres precários, sem carteira assinada, sem recolhimento de INSS e, inclusive, com maiores riscos de acidentes de trabalho. Isso alia-se a uma resistência dos patrões em qualificar seus funcionários. “Os empregadores têm medo que o trabalhador peça um salário mais alto, ou procure emprego melhor. Deixam de fazer uma qualificação que serviria a ele, aos funcionários e também aos clientes”, avalia.

O cumprimento da lei do trabalho intermitente, aprovado com a Reforma Trabalhista, também poderia beneficiar os funcionários de estabelecimentos de turismo. O presidente da Associação dos Garçons e Profissionais Similares de Minas Gerais, Ramon Gomes, afirma que a contratação através de “diárias” – autônomo - é um dos maiores problemas da categoria, e sua maior reivindicação é a contratação via CLT.

“Se o trabalhador está subordinado a alguém, ele não é autônomo, tem que assinar a carteira”, defende Ramon. A reforma trabalhista passou a permitir que o patrão assine a carteira de trabalho mesmo que seja em poucas horas ou dias na semana. A vantagem seria, segundo Ramon, que os garçons recebam seus direitos sobre a jornada trabalhada, como adicional noturno e hora extra.

Turismo emprega 8% de todos os trabalhadores de MG

De acordo com dados da Secretaria de Turismo de Minas Gerais, em 2017 o estado possuía 381 mil trabalhadores empregados no setor de turismo. O número foi menor que nos anos anteriores, que em 2014 chegou a ser de 415 mil trabalhadores.

10 dicas para o turista que quer valorizar o trabalhador

  • Taxa de serviço não é gorjeta
  • Pague os 10%, de preferência diretamente ao garçom
  • Seja educado sempre, pois os trabalhadores estão a seu dispor e fazem grandes jornadas em pé
  • Pergunte o nome e se apresente, é importante!
  • Receba o cardápio da casa e tente fazer todo o pedido de uma vez
  • Trocar uma ideia é legal, mas não “alugue” demais, pois outros serviços podem ficar atrasados
  • Sempre que for reclamar de um serviço, primeiro tente resolver com o próprio funcionário
  • Agradeça sempre
  • Atenção ao horário de fechamento, pois os funcionários também querem descansar
  • E essa é uma dica! Alguns restaurantes cobram 10% em cima do couvert artístico. Taxa de serviço é cobrado sobre o que foi consumido na mesa, mas o couvert deve ser cobrado separadamente ou pago diretamente ao músico!

Edição: Joana Tavares