Carmem Souza passava cerca de 10 horas diárias indo e vindo pelos mais de 30 km de trajeto que separam as cidades de Ribeirão das Neves e Belo Horizonte. Nos veículos extremamente antigos da região metropolitana de Belo Horizonte, o motor chegava a emitir mais de 100 decibéis de ruído. O resultado dos 6 anos de trabalho prestados para a empresa de transporte foi a perda de 40% da sua audição. A realidade de Carmem é a mesma de 3.500 trabalhadores do transporte de Belo Horizonte que foram diagnosticados com Perda Auditiva por Indução de Ruído - PAIR. Os dados são de um inquérito do Ministério Público do Trabalho, que investigou as condições dos trabalhadores em 73 empresas de transporte na capital mineira.
O levantamento foi realizado pela promotora do Ministério Público do Trabalho, Elaine Noronha Nassif. Em suas investigações ela apontou que assim que saem da fábrica os veículos que são utilizados no transporte em BH já emitem ruídos de 82 decibéis. Para se ter ideia da gravidade da situação, o máximo permitido pela NR 15, norma que regulamenta situações de salubridade dos trabalhadores, é de 85 decibéis para uma exposição máxima de até 8 horas.
Nessas situações, os trabalhadores que estão expostos a altos ruídos deveriam utilizar Equipamentos de Proteção Individual - EPI, o que não acontece. "Os motoristas, por exemplo, não podem usar protetor auricular porque precisam ouvir o trânsito. Ou seja, ficam completamente expostos", denuncia a promotora.
Ação judicial
Após as investigações, o Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação contra as empresas, pedindo para que a frota fosse substituída por veículos com motores traseiros, o que traria menos problemas para a saúde dos trabalhadores. No entanto, as empresas de transporte estão postergando o cumprimento da decisão judicial. “Para a esfera municipal nós conseguimos a decisão da substituição paulatina da frota por ônibus com motores traseiros, mas está tendo uma resistência enorme dos órgãos públicos em implementar a decisão. Agora na SETOP, o processo está em segunda instância", afirma a promotora.
Além do barulho, outro problema dos veículos é a temperatura. Em algumas situações, o motor dos ônibus chega a 50 graus. Os assentos também são um grande problema. Eles não possuem encosto de cabeça, nem molas, e têm apenas 38 centímetros de largura. Por isso, os motoristas e cobradores recebem todo o impacto dos veículos, o que acarreta problemas de saúde, como a disfunção dos ligamentos corporais. "Os ônibus são o principal problema da saúde dos trabalhadores. Eles são totalmente inadequados do ponto de vista da emissão de ruído, calor, vibração e ergonomia. Ou seja, é um ambiente de trabalho terrível e, somado a isso, as jornadas exaustivas de trabalho elevam isso ainda mais. Porque quanto mais tempo exposto a todos esses fatores agressivos, maior é o adoecimento dos trabalhadores", denuncia.
Sem saúde emocional
Além da saúde física dos trabalhadores estar comprometida, a saúde emocional vai de mal a pior. Não é incomum motoristas surtarem durante uma jornada de trabalho e abandonarem os veículos. Além disso, a violência urbana também assombra diariamente os trabalhadores. Segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Rodoviário de BH - STTR, os trabalhadores sofrem, em média, de 5 a 7 agressões diárias, sejam elas físicas ou morais. Pelo menos 93% dos trabalhadores já sofreram violência física ou viram um colega ser agredido.
O levantamento realizado pela entidade mostrou ainda que 40% dos motoristas têm dificuldades para dormir, 43% sentem desânimo, incômodo e ansiedade antes de uma jornada de trabalho e 70% gostariam de receber mais apoio psicológico.
Os dados sobre as condições de trabalho de motoristas e cobradores foram divulgados no dia 4 durante o IV Seminário da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora do Setor Transporte Coletivo Urbano, promovido pelo Conselho Municipal de Saúde. A entidade planeja executar uma força tarefa para fiscalizar a situação da saúde dos trabalhadores e cobrar, junto aos órgãos responsáveis, melhorias nas condições de trabalho e acompanhamento aos profissionais.
Edição: Elis Almeida