Está suspensa por cem dias a ação de despejo das 16 famílias que moram no Quilombo Souza, na Vila Teixeira Soares, no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte. A decisão foi tomada em audiência de conciliação realizada na capital mineira nesta segunda (22). Além de moradores da comunidade, estiveram presentes na reunião o prefeito Alexandre Kalil (PSD), representantes do Ministério Público Federal e Estadual, as vereadoras do Psol Cida Falabella e Bella Gonçalves, Defensoria Pública e membros da Associação Comunitária de Santa Tereza.
Para evitar a desocupação, que seria realizada pela Polícia Militar (PM) no próximo dia 25, o município se comprometeu em promover duas ações administrativas, uma delas é a Regularização Fundiária de Interesse Social (Reurb-S) e a outra é o tombamento da área.
Em troca, os autores da ação – que abriram o processo contra os moradores – receberão a Unidade de Transferência do Direito de Construir (UTDC). O prazo dado pela Justiça é de 100 dias. A UTDC é um instrumento urbanístico, previsto em caso de tombamento, que pode ser vendido no mercado ou utilizado para construção em outras áreas da cidade. Caso esse acordo seja firmado entre os autores da ação e a PBH, o processo, que já dura quase 50 anos, pode ser finalizado na Justiça.
“A a gente não assinou este acordo, porque ele fala que se os herdeiros não aceitarem o acordo da Prefeitura, a gente tem 15 dias pra sair. Eu acho que eles não têm direito a nada, eles não têm documentação. Nós temos tudo. Foi uma vitória pra gente, mas ainda não foi feita a justiça”, avalia Gláucia Vieira, uma das lideranças do Quilombo.
Apesar de reconhecer que a proposta da PBH garante um fôlego para as famílias, a Associação Comunitária de Santa Tereza também se posicionou contrária à medida. O motivo é essa mesma cláusula citada por Gláucia: que as partes envolvidas concordam com a desocupação voluntária caso os herdeiros, autores da ação, afirmem que não receberam a UTDC.
“Em hipótese alguma a gente vai concordar com a desocupação da área, mesmo se a Prefeitura não cumprir o acordo. Entendemos que o município não deve arcar com nenhum recurso para beneficiar herdeiros que não têm direito a nada, por conta de todas as ilegalidades que constam no processo. Nunca vi um processo tão absurdo na vida. O Arthur Ramos vendeu muito mais terra que ele tinha”, contesta Joviano Mayer, advogado popular e membro da diretoria da Associação.
Quilombo Souza
Na quinta (18), a Fundação Cultural Palmares, instituição pública responsável pela emissão de certidão às comunidades quilombolas, publicou no Diário Oficial da União o registro da Vila Teixeira como Comunidade Quilombola Família Souza, a quarta em contexto urbano de Belo Horizonte. No local moram 16 famílias há mais de 70 anos.
“Isso, na realidade, ajudou a gente a valorizar mais nossas tradições, nosso modo de vida, que andava meio adormecido. Vai passando o tempo e isso vai perdendo. Então, reativou, reanimou, reabriu esse espaço pra gente. É muito importante essa ligação que a gente tem com nossos ancestrais”, relata Gláucia.
Desde o início deste ano, moradores organizam diversas ações culturais para divulgar a situação do Quilombo e resistir à ameaça de despejo. No último domingo (21), aconteceu a Virada Cultural da Resistência, com a participação de diversos artistas e colaboradores. Flávio Renegado e o bloco de carnaval Pata de Leão marcaram presença no evento.
História
O terreno foi adquirido pelas famílias em 1923 por Elisa de Souza, nascida sob a lei do Ventre Livre, e seu marido Petronillo de Souza, ex-escravizado, que vieram para a capital trabalhar no abastecimento agrícola do bairro Santa Tereza e na construção da igreja da Boa Viagem.
Em 1970, herdeiros de Arthur Ramos, vendedor do terreno, entraram com uma ação demarcatória contra vários réus, incluindo os moradores da Vila Teixeira. No ano passado, os moradores da Vila Teixeira, hoje Quilombo Souza, foram surpreendidos com uma ordem de despejo, sem que fossem ouvidos pela Justiça.
Edição: Joana Tavares