“Para nós, é como se ainda estivéssemos no dia 25 de janeiro. Ainda não mudou nada, a não ser o fato das nossas vidas estarem mais vazias por causa dos nossos familiares que se foram”. É assim que a professora Juliana Fonseca, moradora de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), avalia os últimos seis meses de sua vida.
O rompimento da barragem da Vale, em Córrego do Feijão, fez quase 300 vítimas fatais, inclusive pessoas muito próximas de Juliana: sua cunhada, a mãe das suas enteadas e quatro primos do marido, além de quatro ex-alunos.
Ainda há 22 corpos desaparecidos debaixo da lama.
“É muita dor, muita impotência, porque, infelizmente, a gente está à mercê da assassina. A Vale cometeu o crime e continua dando todas as cartas. É ela que tem o direito de fazer os acordos, é ela que diz quanto cada vida vale, é ela que está à frente das buscas”, diz Juliana, que faz parte da comissão de vítimas fatais, que organiza em todo dia 25 ações com as famílias para lembrar do crime que chocou o mundo inteiro.
Para Luiz Paulo Siqueira, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a Vale conseguiu implementar uma estratégia para amortecer o conflito que foi instalado na cidade após o rompimento, tanto em Brumadinho quanto em outras cidades onde a mineradora foi obrigada a evacuar os moradores. Segundo balanço divulgado pela empresa, mais de 101 mil moradores recebem mensalmente auxílio emergencial e 276 famílias receberam doação de R$ 100 mil. Além disso, a empresa afirma que R$ 2,3 bilhões já foram investidos em materiais de saúde, serviços ambientais, transporte e outros custos logísticos desde que o rompimento.
No entanto, segundo Luiz, a população de Brumadinho continua desamparada. “Em geral, as famílias estão tendo problema de adoecimento mental, depressão e as tentativas de suicídio só têm aumentado. Além disso, houve um prejuízo econômico que não vai ser superado, seja na agricultura familiar, com dezenas de famílias que perderam suas terras, seja na prática da pesca. Muitas famílias dependiam do Rio Paraopeba para tirar seu sustento”, enumera.
Juliana relata que a vida em Brumadinho foi virada ao avesso, que muitas famílias tiveram que deixar suas casas, perdendo assim a identidade do lugar onde viviam. A esperança, para ela, está na capacidade de organização popular. “Daqui para frente é continuar lutando mesmo, é buscar por justiça. A indenização por si só não é justiça, mas uma reparação por ter sido um crime trabalhista. A Justiça seria ver quem sabia, quem era responsável pela barragem, sendo preso”, aponta.
Ações
Na quinta (25), acontece em Brumadinho, pela manhã, uma manifestação para marcar os seis meses do rompimento. Às 8h30, atingidos de outras regiões da Bacia do Paraopeba, organizados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), se reúnem às margens do rio para uma ação de homenagem às vítimas. Em seguida, as pessoas sairão em marcha até a entrada da cidade para um ato ecumênico, que está agendado para às 12h30.
Em Casa Branca, distrito de Brumadinho, o Movimento Águas e Serras de Casa Branca, organiza, nesta quarta (24), uma homenagem às vítimas fatais. O evento, que é aberto, será na Praça São Sebastião de Casa Branca, a partir das 16h.
CPI da Barragem de Brumadinho
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem da Assembleia Legislativa de Minas Gerais ouviu, na última quinta (18), cinco funcionários da Vale com o objetivo de esclarecer dúvidas sobre o rompimento da barragem. Sidmar Moreira, Vagner Zacarias, Renato Figueiredo, Marco Aurélio Amorim e Rodrigo Moreira relataram que, meses antes do crime, eles souberam de vazamentos no local. A expectativa é que a CPI encerre seus trabalhos em setembro deste ano.
O relatório do senador Carlos Viana (PSD-MG) à CPI do Senado, que também investigou o rompimento, foi apresentado no início deste mês. O documento pede o indiciamento da Vale e da empresa alemã Tüv Süd – responsável pelo laudo de estabilidade da barragem – e 14 pessoas físicas, como o ex-presidente Fábio Schvarstman, da Vale, e Makoto Namba e André Yassuda, engenheiros da Tüv Süd.
O senador afirma que os indicados devem responder por crime culposo de homicídio, lesão corporal e de destruição de flora de preservação permanente e de Mata Atlântica; e de poluição culposa, que provoca a mortandade de fauna e flora, com inviabilização de área para ocupação humana.
Edição: Joana Tavares