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Tecnologia

Lagoa Santa (MG) sedia primeiro LabFab de Ímãs de Terra-rara do hemisfério sul

Junto com Vietnã, Brasil possui segunda maior reserva do elemento no mundo, mas ainda faz pouca transformação em produto

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Imagem em microscópio obtida do neodímio, que faz parte do grupo de terras-raras
Imagem em microscópio obtida do neodímio, que faz parte do grupo de terras-raras - Divulgação/IPT

Você já ouviu falar nas chamadas terras-raras? Você pode até achar que não conhece ou não sabe o que é isso, mas na verdade, esses elementos estão por toda parte. Ao contrário do que o nome sugere, as terras-raras não são terras. Também não são raras por serem difíceis de achar, mas porque são difíceis de extrair.

As terras-raras são um conjunto de 17 elementos químicos da tabela periódica com propriedades magnéticas fundamentais para a fabricação de equipamentos eletrônicos. Esses elementos são utilizados, por exemplo, em drones, lasers, telas LCD, cabos de fibra ótica, motores de veículos elétricos, aparelhos de ressonância magnética e até mesmo no refino do petróleo para transformação em gasolina e outros produtos. As terras-raras também são fundamentais para a indústria armamentista e para as telecomunicações. O seu celular, por exemplo, tem neodímio, térbio e disprósio, que são terras-raras que dão aos smartphones o poder de vibrar.  Resumindo, esses elementos são essenciais para as tecnologias de ponta. Com essa aplicação tão vasta, nos últimos anos a demanda por terras raras tem aumentado exponencialmente em todo o mundo. Além disso, elas são componentes insubstituíveis. E são esses dois fatores que tornam esses elementos tão imprescindíveis para a atualidade e para o futuro.

Minas Gerais desponta na inovação

O primeiro Laboratório Fábrica de Ímãs de Terra-rara do hemisfério sul está previsto para ser inaugurado no primeiro semestre de 2020. O local vai sediar tanto pesquisas envolvendo os elementos neodímio e praseodímio, como também fabricar ímãs e ligas permanentes de terra rara. Os ímãs são utilizados, por exemplo, na fabricação de computadores e de motores elétricos, como para-brisas e vidros elétricos de automóveis.

No total, estão sendo investidos R$120 milhões, recurso do Programa Inova Mineral. O LabFab terá a capacidade anual de produção de 23 toneladas de ímãs, atingindo a produção máxima em dez anos de cem toneladas. O projeto é administrado pela Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) e conta com a parceria da Universidade de Santa Catarina e da Universidade de São Paulo.

Ricardo Wagner Righi de Toledo, Diretor de Fomento à Indústria de Alta Tecnologia da Codemge, explica que a produção de ímãs permanentes vai transformar a tecnologia desenvolvida no país e no mundo. “Não temos pretensão de substituir a importação de terras-raras no Brasil, mas sim de dominar a tecnologia de produção de ímãs e ligas. Vamos fazer ímãs sob encomenda e não em série, com estudo, pesquisa e tecnologias. O empresário compra o ímã e leva não só o produto, mas toda uma tecnologia desenvolvida. É muito diferente de você importar uma commodity e ficar adaptando seu projeto a ela”, destaca.

Toledo ressalta ainda que com a produção nacional dos ímãs a economia do país também sai ganhando. “É inovação de verdade. Estamos fazendo uma coisa muito rara mundo afora. Isso por si só tem impacto enorme na educação, na ciência, na geração de emprego, etc. E ainda atrai para a economia mineira uma série de demandas”, pontua o diretor.

A matéria-prima para a produção de ímãs de terra-rara no LabFab virá de diversos fornecedores, nacionais e internacionais. Em Minas Gerais, esses elementos são extraídos principalmente nas cidades de Poços de Caldas e Araxá.

Terra rara é peça chave no cenário político-econômico internacional

Recentemente a China ameaçou parar de fornecer terras-raras para os Estados Unidos. A retaliação veio logo após Donald Trump anunciar novas tarifas de importação e inviabilizar a Huawei, gigante chinesa das telecomunicações, de fazer negócios com empresas estadunidenses. A China detém não só a maior reserva de terras raras do mundo, 44 milhões de toneladas - o que representa quase 40% da reserva mundial - como também é a maior exportadora do bem. O país fornece 71% do total do elemento consumido em todo o mundo. Na contramão, os EUA detêm apenas 1,4 toneladas de reserva e importa 18% da China.

O Brasil, empatado com o Vietnã, possui a segunda maior reserva de terras-raras no mundo. Ambos têm 22 toneladas. Apesar de termos uma reserva significativa, a extração e transformação em produtos é insuficiente: cerca de mil toneladas por ano, o que corresponde a menos de 1% da demanda mundial.

Com os avanços tecnológicos à vista e com uma reserva considerável dos elementos, o Brasil pode ter um papel decisivo na guerra comercial pelas terras-raras, mas isso exige que o país tenha soberania. É o que ressalta o professor Cláudio Sciliar. “Precisamos ter como meta não só a extração, mas principalmente a transformação desses insumos em produtos e tecnologias que enriqueçam o Brasil. Não precisamos nos fechar para o capital estrangeiro, desde que ele não só explore o insumo, mas também gere valor e não apenas exporte uma commodity, como acontece por exemplo com o minério de ferro.”

Ysrael Vera, pesquisador do Centro de Tecnologia Mineral - CETEM, destaca que recentemente a China anunciou que pretende diminuir a extração das terras-raras para priorizar a demanda nacional e combater a extração ilegal. Na avaliação de Vera, esse é mais um dos fatores que tornam promissor o despontamento do Brasil no mercado. “É o momento de o Brasil entrar no mercado para cobrir a demanda que vai surgir e que já está aí. Por isso o investimento em pesquisa e ciência vai ser decisivo”, afirma o pesquisador.

Histórico de crimes socioambientais acende alerta

Recentemente, Minas Gerais enfrentou os dois maiores crimes socioambientais da história do país: os rompimentos das barragens da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho e de Fundão, em Mariana. Até hoje, as comunidades sentem os impactos das tragédias.

A destinação dos resíduos da extração de terras-raras, assim, acende alerta. Os componentes geralmente estão agregados em minerais e a separação dos elementos é complicada. A extração e separação desses insumos é feita com reagentes químicos, principalmente com ácido clorídrico, nítrico e sulfúrico. Na avaliação do professor Cláudio Sciliar, a destinação desses resíduos exige cautela e precisa levar em conta os riscos que oferecem para a sociedade e ao meio ambiente. “Há um problema sério de que muitas vezes no Brasil os elementos de terras raras estão associados a minerais que têm também elementos radioativos, como o urânio, tório, etc. Então, sem dúvida nenhuma a questão dos resíduos vai ter que ser muito bem tratada”, destaca.

Edição: Joana Tavares