Mais de 100 mil mulheres do campo, da floresta e das águas se levantaram antes do sol nascer para uma tarefa diferente da lida diária de cuidar da terra. Eu estava lá, e pela sexta vez consecutiva marchamos em defesa da terra, da água e da agroecologia. Marchamos por autonomia econômica e trabalho decente. Mas, principalmente, marchamos para não morrer, seja por uma reforma da previdência que nos tira a perspectiva de proteção na velhice, seja pelo feminicídio que se espalha no país sem ser coibido como deveria pelas forças de segurança. Nós, mulheres, temos inúmeros motivos para marchar, mas esses dois, em especial, são cruciais em meio a tantas lutas urgentes.
Na semana passada, o Atlas da Violência mostrou que principal causa de morte entre as mulheres brasileiras é o feminicídio e, dentre as milhares de vítimas, 66% são mulheres negras. Entretanto, ainda não há um recorte específico para a violência contra as mulheres do campo, o que torna deixando invisível e impune o sofrimento e assassinato de centenas de companheiras. Se conseguimos sobreviver às relações abusivas e violentas, não escapamos da cesta de maldade preparada pelo governo Bolsonaro em sua proposta de reforma da previdência.
A começar pela idade mínima para aposentadoria. Se as trabalhadoras urbanas, que têm um trabalho bem menos penoso, poderão se aposentar aos 55 anos, por que as mulheres do campo não podem se aposentar aos 50 anos? Não se pode tratar igualmente os desiguais. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apurou que 70 % das mulheres que vivem do campo começaram a trabalhar antes dos 14 anos. De dentro de seus gabinetes, burocratas ignoram o fato de que as mulheres lavradoras começam a trabalhar ainda crianças e enfrentam uma jornada severa.
Outro aspecto cruel é a redução das pensões. Hoje, 83,7% deste tipo de benefício são pagos às mulheres. Portanto, seremos mais uma vez prejudicadas caso se confirme no Senado que o pagamento da pensão será desvinculado do salário mínimo e seu valor será de 60% mais 10% a cada dependente. Diante de um governo como esse, mais que nunca temos de estar juntas e organizadas.
Na primeira Marcha das Margaridas, em 2000, éramos 20 mil. Três anos depois nos multiplicamos e reunimos 40 mil mulheres; depois 70 mil, em 2007; 100 mil em 2011 e 2015. E esse ano não foi diferente: 100 mil margaridas de todos os cantos e falas; do campo, da floresta e das águas, comungando suas experiências de vida e luta. Seguiremos preparando a próxima Marcha das Margaridas e organizando a mulherada para lutar por “um Brasil com soberania popular, democracia, justiça, igualdade e livre de violência”. Como disse nosso presidente Lula “As margaridas chegaram e eles não têm como deter a primavera”. Viva as mulheres desse país! Viva o povo brasileiro!
*Leninha é deputada estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Nasceu em Montes Claros, é graduada em Biologia e mestre em Desenvolvimento Social pela Unimontes. Participou da coordenação nacional da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), foi executiva na Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e conselheira do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea)
Edição: Joana Tavares