Desde o início do mês, Gilda Maria recebe ligações todos os dias perguntando por seus dados, nome completo e CPF. Ela é moradora de Barra Longa e atingida pelo rompimento da barragem de Fundão em 2015. As ligações são feitas pela Fundação Renova, entidade responsável pela reparação das violações provocadas pelo crime em toda a Bacia do Rio Doce.
Atingidas e atingidos denunciam que a Renova funciona como um braço das empresas Samarco, Vale e BHP. Por não confiar na entidade, Gilda não passou seus dados, e segue recebendo ligações insistentes. Já são dezenas de pessoas que relatam estar recebendo os mesmos telefonemas.
A atingida conta que uma colega acabou cedendo à insistência e forneceu as informações, e o que ouviu preocupou: o cartão-emergencial, única fonte de renda da família desde que perdeu a possibilidade de trabalhar após a contaminação do Rio Doce, será cortado em setembro. “Eles tiraram nossos serviços, nossa saúde, e acabaram com nosso sossego. Eles cortam esse cartão e a gente vai viver de quê? Serviço não tem mais”, indigna-se Gilda.
Como Gilda e sua colega, outras milhares de pessoas na Bacia do Rio Doce recebem o cartão emergencial desde fim de 2016, como recurso financeiro mensal de apoio às famílias para que possam sobreviver. De acordo com a Assessoria Técnica AEDAS em Barra Longa, o Auxílio Financeiro Emergencial é direito de todos que tiveram ou ainda têm tido comprometimento de sua renda em razão do rompimento da barragem de Fundão.
Antes do crime, Gilda Maria trabalhava na Cachaçaria Tiara e em roça própria. A contaminação do Rio Doce impediu qualquer plantio na beira da água e o local de trabalho já não utiliza mais sua mão de obra. “Um tempo desse a gente estava plantando cana, por que eles compravam dos nossos canaviais, mas agora está tudo contaminado. Toda a vida eu trabalhei na roça, perdi meu serviço de uma hora para outra e agora eles querem acabar com minha única fonte de renda, não sei o que fazer”, preocupa-se a atingida.
A coordenadora da Assessoria Técnica em Barra Longa, Verônica Medeiros Alagoano, conta que a entidade não foi avisada pela Renova, nem mesmo as Comissões de Atingidos. “Essa atitude da Renova é uma ação totalmente arbitrária, e fazer isso por meio de ligação é criar terrorismo com os atingidos. Este direito deve permanecer até o restabelecimento das condições para retomada das atividades produtivas ou econômicas”, denuncia.
A Fundação Renova afirma que 143 pessoas terão o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) cancelado devido à falta de comprovação do comprometimento da renda e interrupção das atividades produtivas e econômicas decorrentes do rompimento da barragem de Fundão a partir de outubro. A medida, segundo a Renova, foi tomada após diversas análises e cruzamentos de dados, realizados durante meses pela Fundação, para realizar a manutenção de sua base e, assim, garantir o auxílio aos elegíveis ao AFE. A Fundação argumenta que essa correção teria como objetivo refinar as informações dos cadastrados e identificar possíveis inconsistências, como pessoas que recebem o auxílio financeiro emergencial mesmo não tendo impacto direto decorrente do rompimento.
Edição: Elis Almeida