Mais de 60 mulheres foram mortas por serem mulheres neste primeiro semestre de 2019 em Minas Gerais, de acordo com balanço da Polícia Civil do estado. Em Belo Horizonte, a média é que pelo menos um feminicídio ocorra a cada mês. Entre janeiro e julho deste ano, a capital registrou um salto de 250% em relação ao mesmo período de 2018.
Esta sexta-feira (23) é em Minas o Dia de Combate ao Feminicídio. A data foi instaurada no ano passado a partir de um projeto da deputada estadual Marília Campos (PT), também presidenta da Comissão de Mulheres na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Em entrevista, a parlamentar fala sobre os objetivos e atividades do 23 de agosto e dos desafios na luta contra o machismo.
Brasil de Fato: Por que fazer do dia 23 de agosto uma data de combate ao feminicídio e violência contra a mulher?
Marília Campos: Foi em função de uma morte, um assassinato de uma trabalhadora do Ministério Público de Contagem. Ela foi morta nesta data e a suspeita recaiu sobre o marido, que ficou preso por um tempo, mas já está solto. O dia estadual é para ser uma denúncia, mas também para cobrar a realização de campanhas, de mobilizações, e para contribuir com as políticas de prevenção e de combate às violências contra as mulheres e contra o feminicídio.
Quais são as atividades previstas para este ano?
Nós procuramos a Secretaria de Estado de Educação [SEE-MG] para articularmos uma campanha nas escolas públicas estaduais, e sugerimos que fosse feito um concurso de redação com essa temática sobre violência e feminicídio. A Secretaria abraçou a ideia e a iniciativa será lançada nesta sexta (23), em toda a rede estadual de ensino de Minas Gerais. O objetivo é envolver os alunos, o corpo docente e a comunidade escolar com o assunto, para que possamos criar um clima de conscientização pela igualdade entre homens e mulheres e combater as violências.
Como você avalia o tratamento que os órgãos públicos de Minas têm atualmente em relação ao tema da violência contra as mulheres? Como é no interior do estado?
Se na capital e na região metropolitana já é difícil, no interior é ainda mais. Lá, as políticas públicas são mais ineficientes. Em toda Minas Gerais, temos apenas 62 delegacias especializadas para os 853 municípios. E essas delegacias têm funcionamento muito precário, elas não dão conta de atender à demanda. Para se ter uma ideia, elas funcionam de segunda a sexta, durante o dia. Ou seja, a mulher que precisa recorrer a uma delegacia no fim de semana ou à noite não tem atendimento. Nós precisamos fortalecer essa política pública, melhorando administrativamente, do ponto de vista de pessoal, estrutura e logística, para que as mulheres vítimas de violência sejam acolhidas com dignidade nesse equipamento público. A delegacia é extremamente importante porque é o primeiro local que a mulher procura para ter amparo, para denunciar. Acho que é a primeira vez que faremos uma campanha desse porte sobre prevenção. Porque a gente tem que ficar disputando essa agenda, tem que ficar dizendo que é uma política pública importante, porque muitos acham que a violência é algo natural. A gente luta contra uma cultura que acha que a violência é natural, ou que é como se fosse qualquer outra violência. Ou que a morte de uma mulher, assassinada pelo fato de ser mulher, se mistura aos inúmeros homicídios e não precisa de tratamento específico.
Você acredita que desde o ano passado, quando a data foi instaurada, o tratamento com o tema melhorou dentro das instituições?
É uma disputa permanente. Na assembleia, existem 77 deputados e, desses, apenas 10 são mulheres. Nem todas acham que essa pauta é importante. Já começa assim, com essa subrepresentação de mulheres. A gente luta para dar visibilidade à nossa agenda, colocá-la como prioridade. Queremos políticas públicas de amparo às mulheres, contra a violência obstétrica, a doméstica, às violências patrimoniais, emocionais, psicológicas, físicas... É uma luta diária, e na assembleia não é uma discussão tranquila.
Você é presidenta da Comissão dos Direitos da Mulher na ALMG. Como estão os trabalhos e quais são os principais projetos que a comissão está tocando neste momento?
Para focar este ano, nós elegemos o combate às violências. Estamos com essa política de prevenção e fazendo visitas técnicas em todas as delegacias de mulheres da região metropolitana. O objetivo é fazer um relatório e pressionar o governo para melhorar a estrutura das delegacias – essa pauta tem sido muito debatida e a gente tem perseguido isso. Do ponto de vista de projetos, conseguimos a instalação de mais uma vara de julgamento para casos de violência doméstica, da Justiça do Trabalho, implementada em Contagem. Só existia uma, em BH. Também é preciso dizer que a Comissão de Mulheres está à disposição para acolher denúncias, abraçar as lutas, e de portas abertas para que as mulheres de todo o estado participem das audiências públicas semanais. Pelo menos toda quinta-feira de manhã é realizada uma reunião.
Edição: Elis Almeida