Em tempos difusos, confusos, de exacerbação do ódio contra tudo que é diverso e plural, sair com um Afoxé alimentando e saudando as energias da rua é um ato histórico. As próximas gerações - se tratarmos todas e todos de fazer bem a tarefa de casa -, contarão que os seus mais velhos, seguindo o legado de outros mais velhos, ousaram e afrontaram com seus tambores nas ruas, aquela temporada bolsonarista.
Somos uma construção social que ultrapassou gerações porque o ponto que os povos africanos firmaram na travessia de sobreviver à diáspora foi riscado na dimensão do cosmo. Aqui estamos com nosso Padê! Laroye!
Nossos tambores que descem as ladeiras do bairro Concórdia, tão operário, tão negro, gestado e parido por mulheres de ébano em seus quintais, ecoam o canto indivisível da revolução que seguimos construindo. Nossa pequena Abantu. Não nos assusta esse recrudescimento conjuntural que estamos vivendo no atual período. Como afirma D. Conceição Evaristo: “Eles combinaram de nos matar e nós combinamos de não morrer”. Essa síntese segue sendo profecia para o futuro. Não tememos a morte.
No último dia 25 de agosto saímos às ruas no tradicional cortejo de Omolu, foram semanas de preparação estourando e fiando pipoca na linha, costurando saias, levantando paredes, cozinhando feijão, fazendo café, assentando piso, indo buscar folhas na mata, ensaiando o corpo de baile, tecendo o ritmo da charanga, alimentando as divindades e assim vivendo a práxis comunitária. O Afoxé não é um desejo do indivíduo, mas sim um processo coletivo. E só por isso ele existe!
Cantar o Afoxé é pensar que somos passados, presente e futuro! Não confundam esse espaço com um bloco carnavalesco. Ainda que este seja afro, não é fazer e nem pertencer a essa tradição. O Afoxé é o terreiro na rua. Esse território tradicional que afronta o sistema e desafia a cosmovisão ocidental. Por aqui nem perdão, nem culpa, mas a autonomia geradora de agentes contra-hegemônicos.
Tem se ouvido muito por aí que perdemos o diálogo com o povo. É preciso perguntar quem perdeu? Porque ao ver moradores abrirem as portas, janelas, dançarem nas calçadas ao ouvirem o toque do agogô e atabaques, demonstra o quanto é necessário fazermos a disputa de narrativas e mudarmos o modus operandi em consideração ao que é político, orgânico, de luta e revolucionário.
O Afoxé Bandarere agradece a participação da cidade neste 6º Cortejo de Omulu, às autoridades tradicionais, às institucionais, às parcerias, ao povo, mas sobretudo, agradece a Nengua Monasangi, matriarca do Nzo Jindanji Kuna Inkosi por levar o tabuleiro até a Praça México/Concórdia na continuidade dos passos dos nossos ancestrais.
Por fim, seguimos com a benção dos inkises, voduns, orixás e encantados com o desejo que o Afoxé seja o espaço de todas e todos na re-existência na cidade de Belo Horizonte. Estar em um Afoxé é um ato político. É trabalho de base. Venham e retornem sempre!
Quem é você? Somos AfoxéBandarere!
Andréia Roseno participa da Rede de Mulheres Negras de Minas Gerais e do Afoxé Bandarere.
Edição: Elis Almeida