Trasímaco, o irado sofista, dirá, em resposta a Sócrates nos diálogos de Platão, o que é a justiça. Define: “Eu declaro que a força é um direito, e que a justiça é o interesse do mais forte”.
Nos reflexos da afirmação de um dos grandes filósofos da antiguidade podemos compreender alguns dos reais problemas da nossa sociedade. O termo justiça, encontrado na afirmação do pensador, pode ser compreendido como algo que não se refere ao comportamento ou à pessoa, mas a norma – focalizando na sua eficiência, na sua capacidade de possibilitar as relações humanas. Assim, a matéria de discussão é o conceito ou, em outras palavras, na melhor definição para se alcançar um objetivo e, sendo assim, não se tem um interesse, a princípio, na ação humana. A ação humana será consequência advinda da melhor definição que se dará para alcançar o objetivo posto. Após determinadas “as leis conforme seus interesses, eles entregam a seus súditos como sendo -justiça- e punem como -injustos- todos aqueles que as transgredirem”, diz Trasímaco.
Tendo essa ideia de justiça nas relações políticas haverá algo muito claro, ou seja, a justiça (normas/leis) está ligada estritamente a um objetivo, porém não quer dizer que esse objetivo seja democrático ou que ele atenda a todos os grupos existentes dentro de numa sociedade. Pode ser que esse objetivo seja apenas de um grupo privilegiado ou não. Por exemplo, se o projeto for aumentar a renda e a riqueza de um determinado grupo, as leis serão fomentadas para melhor chegar a esse propósito. Nesse sentido, a discussão sobre a justiça está mais ligada à sua eficiência para se chegar a um objetivo do que ao próprio objetivo. Ora, neste entendimento as leis promulgadas não se esbarram em fins últimos como igualdade, respeito, direitos humanos e demais valores que formam o tecido humanitário.
Dessa forma, não deixa de se afirmar, por mais que queiramos não acreditar, que numa sociedade em que se rege sob o domínio de uma pequena parcela de oligárquicas ou, por aqueles que retiram suas riquezas da grande parte da sociedade, que esse entendimento se faz jus. Em roupagem democrática a autocracia se estonteia perante os golpes democráticos advindos de grupos dispersos e acaba mostrando seu verdadeiro rosto. Em frases como “Quem manda aqui sou eu, P*” (dita por Bolsonaro), evidencia algo que é fato – aqueles que tem força, entendida numa realidade de capitalismo como dinheiro, promove, determina e tem o direito a justiça (leis) para se chegar ao objetivo imposto por eles próprios.
Para afirmar a máxima basta olhar o quadro social brasileiro. Grande parte da população assiste tal como um jogo de futebol as leis e os direitos sendo decididos pelos mais fortes. Estão tão estafados da política, por uma má compreensão ou pela eficácia de um dos melhores instrumentos usados pelos mais fortes, isto é, o desinteresse pela política, que não querem saber o que ocorre ou o que é discutido, seguem de bom grado o que for decidido. Pode sim, haver um ou mais grupos cientes das injustiças e atrocidades cometidas, mas a maioria é aquém do reais problemas e interesses das decisões.
A população acostumada a obedecer a justiça determinada pelos mais fortes segue por um lado aos sons de longínquos gritos por liberdade e doutro lado de sons de opressão. Os fortes determinam as leis para assegurarem seus interesses e por vezes podem, por caridade, ceder alguns benefícios para os menos favorecidos. Com isso, afirma-se com o andar da carruagem que as leis visam sim uma utilidade, mas nem sempre é projetada para toda comunidade política. As leis não são vistas de um prisma democrático em que há participação dos agentes políticos, ou seja, de toda a sociedade nos seus diversos grupos, mas sim são dadas pelo grupo dos mais fortes, chamados de representantes políticos ou apenas políticos, enfim, as leis são dadas pelos plutocratas, e reescrevendo e reinterpretando a frase dita por Cálicles, em Górgias: “As leis são invenção dos mais fortes para neutralizar os mais fracos”.
Frei Vitor Vinicios da Silva, ofm é professor de filosofia e livre pesquisador na área de antropologia filosófica.
Edição: Elis Almeida