Mary de Pádua Alcântara trabalhou por mais de quatro anos como cobradora de ônibus em Belo Horizonte. Em outubro de 2018, ela foi demitida e, até hoje, não conseguiu arranjar emprego. Trabalhando em uma estação do MOVE, Mary percebeu que as empresas estavam eliminando o posto de agente de bordo (o cobrador) em abril de 2018.
“Primeiro, retiraram os cobradores das estações. Depois, quem era das estações foi para linhas de bairro a bairro, pois na estação já não tinha mais operações. Foi gradual: tiravam cinco em uma semana, depois mais três. Uma hora ou outra, sabíamos que ia ser com a gente também. Quem não tinha opção de carteira pra ser manobrista ou garagista não foi aproveitado”, relata a trabalhadora.
Já o motorista Carlos Gilmar de Jesus conta que foi demitido após ser contra a retirada dos cobradores e a dupla função para motoristas. “Para me afrontar, o primeiro motorista que eles colocaram fui eu, que bati na tecla que não queria que tirassem os cobradores”, recorda. Atualmente, ele não trabalha mais no transporte coletivo.
“Pelo levantamento que fizemos, 80% da classe foi demitida em Belo Horizonte. No total, eram cerca de 7 mil pessoas. Mais de 5 mil já foram demitidas. Só ficaram pessoas que têm algum tipo de estabilidade: pessoas que estão perto de aposentar, pessoas que participam da CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e as pessoas que sofreram algum tipo de acidente”, denuncia Cléo Olimpio, do movimento Sem Cobrador Não Dá.
No último dia 27, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) disse que as empresas de ônibus terão que contratar imediatamente 500 cobradores, sem desvio de função e de maneira definitiva. Para Cléo Olimpio, essa medida não resolve o problema, pois não cobre sequer 10% dos postos de trabalho eliminados pela demissão dos cobradores.
Segurança, tempo e acessibilidade
O motorista Carlos Gilmar considera que a retirada dos agentes aumentou a demora nas viagens e diminuiu a segurança dos usuários. “A gente sempre tinha o cobrador para olhar a porta, bater a pratinha, a gente podia fechar a porta sem preocupação de apertar o usuário na porta. Quando tinha cadeirante, a gente ficava no volante e eles resolviam a situação. Depois que tiraram, começaram a acontecer acidentes”, avalia.
Ele ressalta que também aumentaram os riscos de assaltos a motoristas, com o dinheiro sendo manuseado na porta de entrada do veículo. “O cobrador é um auxiliar do motorista. Se acontecer um assalto, o ladrão disparar e o motorista for ferido, quem vai conduzir o ônibus para um lugar seguro?”, questiona.
A aposentada Liliane Arouca faz uso de cadeira de rodas e do elevador nos ônibus. Para Liliane, o agente de bordo faz muita falta, especialmente em uma cidade com sérios problemas de acessibilidade. “Ele auxilia o motorista dando informação, olhando as três portas, se tem chuva, os assentos preferenciais. A topografia de Belo Horizonte não é transitável para os usuários. Como o motorista vai proporcionar a entrada e saída segura do usuário se ele não tem alguém para auxiliar?”, contesta Liliane.
Lei é descumprida
Atualmente, o trabalho dos agentes de bordo está previsto na Lei 10.526/12. Por essa norma, obrigatoriamente, as empresas deveriam garantir a função. A lei abre exceção apenas para o horário noturno e os domingos e feriados, bem como as linhas do MOVE, mas diz que os cobradores cujos postos de trabalho forem extintos devem ser realocados em outras funções.
Em 2016, os empresários tentaram eliminar todos os postos de cobradores por meio do projeto de Projeto de Lei 1881/16 (PL), do Vereador Autair Gomes (PSC). Na época, os trabalhadores paralisaram o serviço em BH, em repúdio à proposta. O PL foi rejeitado na Câmara. “Os empresários tentaram, junto à Câmara, retirar os 6 mil postos de trabalho de uma vez. Não conseguiram. Como a 10.526 já estava aprovada, os patrões vêm descumprindo essa lei”, comenta o presidente do Sindicato dos Rodoviários de BH e Região, Paulo César Silva.
Pagar multa é mais barato
Segundo a BHTrans, ao longo de 2018, foram aplicadas sobre as empresas 9.306 multas pelo descumprimento da lei. No primeiro semestre de 2019, já foram 5.098 multas. A BHTrans afirma que não há como precisar o número de multas que não foram pagas, pois as não quitadas vão para a dívida ativa municipal.
A Defensoria Pública de Minas (DPMG) Gerais também está acompanhando a situação. “A DPMG concluiu pela pertinência de ajuizamento de uma ação judicial. A Ação Civil Pública ainda está aguardando decisão de seu pedido de liminar, na 3ª Vara Municipal, qual seja, imposição de multa para que as empresas cumpram a lei”, afirma a defensora Cleide Nepomuceno.
Há dois meses, o movimento Tarifa Zero publicou um estudo apontando que, se as empresas não utilizarem os agentes de bordo em uma a cada cinco viagens, elas obtêm uma economia anual de cerca de R$ 22 milhões de reais. Sem cobradores em 40% das viagens, as empresas embolsam R$ 45 milhões a mais por ano. Se não utilizam em nenhuma viagem, os empresários ganham mais de R$ 113 milhões por ano. O estudo tomou como base dados publicados oficialmente pela empresa Maciel Consultores S/A, que a Prefeitura contratou para fazer uma auditoria do transporte coletivo da cidade. O estudo considerou o gasto das empresas com os 20% adicionais que cada motorista em dupla função passa a receber, por dirigir sem cobrador.
“Hoje, a multa é de R$ 688,51. Então, as empresas, na verdade, estão economizando dinheiro. As multas são irrisórias. Na verdade, esse sistema de multas mostra que a infração vale a pena”, ressalta Letícia Birchal.
Edição: Elis Almeida