Frequentemente, quando se debate o tema da corrupção na mídia comercial, essa palavra vem associada a algum tipo de prática criminosa no Estado, quase sempre de políticos eleitos pela população. Esse discurso também divide as pessoas entre corruptos e não corruptos. Por essa lógica, o Judiciário e a mídia comercial, principais informantes dos casos de corrupção, seriam imunes a práticas criminosas e alheios a interesses. Porém, há vozes que contestam essa visão. É o caso, por exemplo, do cientista político Rubens Goyatá Campante, do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG. Recentemente, ele lançou um livro sobre a temática: “Patrimonialismo no Brasil, corrupção e desigualdade”.
Como você entende o problema da corrupção?
A principal causa estrutural da corrupção é a desigualdade de poder. Isso não está presente somente entre funcionários públicos e políticos. Quase todo grande esquema de corrupção tem uma perna no Estado e outra na grande iniciativa privada.
Como dizia o filósofo Montesquieu, “o poder de um ser humano vai até onde ele encontra o poder de outro ser humano”. A não ser muito excepcionalmente, se um ser humano começa a ter poder, ele vai até onde ele encontra barreiras. A barreira, geralmente, é o poder de outros.
Você diz em seu livro que o Judiciário e a mídia não estão sujeitos a fortes controles públicos no Brasil. Por quê?
O Judiciário, depois da Constituição de 1988, assumiu um protagonismo muito grande. Até então, ele tinha uma expressividade política muito menor. Hoje, todo mundo que acompanha a política minimamente sabe os nomes dos 11 ministros do STF. Antes, o Judiciário ficava preso ao caso no direito civil, o roubo, a separação judicial, o sócio que passava a perna no outro, etc. Esse Judiciário ganhou essa expressividade com a Constituição e o desenrolar da política no Brasil pós-Constituição de 88, mas sem ter instituições de contraponto.
O mesmo vale para a mídia. Além de não ser plural, ela também não tem instituições de contraponto. Se a mídia, às vezes de forma interessada ou por acidente, estampa que um sujeito é um corrupto, a vida dele acabou, a imagem pública dele acabou para sempre. A mídia e o Judiciário têm um papel fundamental na democracia e no combate à corrupção, mas eles não podem funcionar sem contrapontos de poder.
Nos últimos anos, o tema da corrupção tornou-se um mote para derrubar governos petistas. Passados três anos da derrubada da presidenta Dilma, como se encontra o combate à corrupção hoje?
Essa história de que nunca se roubou tanto no Brasil é uma mentira. Hoje, o tema do combate à corrupção desapareceu do Judiciário. Mas, como lembrou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), essa bandeira é dos progressistas. A corrupção campeia desde que Dilma foi tirada. Há, inclusive, um nepotismo cru, essa história de o governante dar uma embaixada para o filho...
Então, qual seria a alternativa?
Tem que combater a corrupção sem fazer distinções políticas e, principalmente, preveni-la. E, o que é mais importante: combater as desigualdades. Não é chegar para as pessoas e dizer: “olha, você tem que refrear os seus interesses”. Ora, alguns interesses são plenamente legítimos. Agora, o maior remédio é a democratização profunda, distribuir o poder. Não se pode permitir que haja grupos ou instituições sem contrapontos. Não se pode dar todo o poder para o Judiciário, a mídia e empresários. O poder de um grupo de seres humanos precisa ser controlado por outros seres humanos.
Edição: Elis Almeida