‘O Protegido’, de Alceu Castilho (Autonomia Literária, 2019) proporciona o prazer de se debruçar sobre uma grande reportagem. Em todo trabalho do gênero, frequentemente o autor é obrigado a sacrificar um pouco o estilo e a lapidação da narrativa em nome do timing. E Castilho não poderia ter sido mais feliz no lidar com essa condição.
Em tempos de Vaza Jato, a série de reportagens do The Intercept Brasil, e de erosão da democracia impulsionada pelo Golpe de 2016, a prisão de Lula e, por fim, pelo famigerado governo Bolsonaro, é precioso o surgimento de um livro assim. Conta e demonstra a eterna proteção da mídia e do sistema de justiça a Fernando Henrique Cardoso, o FHC, um professor universitário aposentado que desde os tempos de presidente da República acumulou inexplicável patrimônio e manteve padrão de vida próprio de nababos.
Enquanto isso, anota Castilho, Luís Inácio Lula da Silva, que não acumulou riqueza, está preso em Curitiba por um crime que não cometeu, vítima de uma farsa jurídica e midiática. Talvez porque, dispondo dos mesmos 8 anos que couberam a FHC na Presidência da República – é a única semelhança relevante entre eles – o operário e líder sindical tenha se tornado o maior líder popular brasileiro e merecedor de respeito mundial, por suas ações para reduzir significativamente a pobreza e, sobretudo, a miséria no Brasil.
Em seu ódio de classe, a plutocracia brasileira, decadente e perversa desde o nascimento, não suportava mais esse desaforo, que persistia na eleição e reeleição de Dilma Rousseff com o apoio decisivo de Lula.
‘O Protegido’ ilumina e esmiúça o sentido das relações íntimas de FHC, inclusive negociais, com essa mesma plutocracia de velhos e novos ricos, todos velhacos, instalados na banca, na indústria, no mercado de arte e, quase sempre, no agronegócio. E como os favores pecuniários concedidos por essa turma a FHC, durante a Presidência da República e depois, foram naturalizados, normalizados, não merecendo um único inquérito ou investigação séria, com o apoio incondicional da mídia patriarcal brasileira, em ações e omissões, conforme o caso.
Talvez por causa da pressão do prazo a que se propôs para concluir o livro, Castilho chegue a ser repetitivo na menção a essas relações ao longo dos capítulos. Mas isso acaba tendo a utilidade de reforçar a natureza intrincada e duradoura dessa santa aliança entre políticos conservadores e patrimonialismo rural no Brasil que o primeiro livro do autor, ‘O Partido da Terra’ (Editora Contexto, 2012) igualmente desbravou.
Li essa obra, anos atrás, atraído pelas implicações do tema para a pauta da reforma agrária, que me interessa muitíssimo desde meus tempos de repórter. Em ‘O Protegido’, Alceu Castilho revela o mesmo esforço de pesquisa e compilação de dados, um foco bem calibrado e a capacidade de fazer emergir daí um contexto político, uma conclusão e indagações desafiadoras.
Bernardino Furtado é jornalista e escritor.
Edição: Elis Almeida