Minas Gerais

Nova Lima

“Cidade particular” será construída em cima de área de abastecimento de água da RMBH

Megaempreendimento privado para 110 mil pessoas planeja condomínios, shopping, e até universidade dentro do terreno

Belo Horizonte (MG) |
'Cidade' estará localizada no município de Nova Lima
'Cidade' estará localizada no município de Nova Lima - Reprodução/Lei.A

Um megaempreendimento imobiliário privado, que em algumas décadas, terá população equivalente a cidades como Vespasiano, Conselheiro Lafaiete, Ubá, Araguari ou Passos. Esse é o Centralidade Sul, conhecido como CSul, que está planejado para ser construído no entorno da Serra da Moeda, Vetor Sul de Belo Horizonte, dentro do município de Nova Lima. Em uma área de aproximadamente dois mil hectares (20 quilômetros quadrados ou dois mil campos de futebol), haverá condomínios, prédios residenciais, centros comerciais e áreas industriais. Serão mais de 34 mil unidades domiciliares.

Apesar de ter a equivalência de uma cidade, o CSul não é conduzido por algum órgão público ligado ao planejamento urbano e, portanto, não se relaciona com o déficit habitacional ou com as necessidades de áreas verdes para a cidade. O objetivo final de sua construção é o retorno financeiro de um grupo de empresas, que investiu na compra de terrenos na região.

Trata-se de um negócio bilionário e de altíssimo impacto socioambiental numa região caracterizada por ser uma das maiores áreas de recarga de água potável de Minas Gerais e pela proximidade de Unidades de Conservação (UCs). Apesar de já ter recebido a primeira autorização para ser implementado, ambientalistas e pesquisadores apontam para um grave problema: sobrecarga e comprometimento do abastecimento de água na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 

Saiba mais sobre o abastecimento de água de Belo Horizonte no link.

No final de julho, a empresa responsável pelo CSul iniciou perfurações em diferentes locais da Serra da Moeda. Alguns leitores presenciaram o corte de vegetação nessas áreas e entraram em contato com o Lei.A. Motivados por essa demanda da sociedade civil, fomos atrás de dados oficiais para explicar o que são esses poços e apresentar o empreendimento, ainda desconhecido pela maioria da população de Belo Horizonte e região, mas que futuramente terá sua vida afetada por ele. 

Expansão imobiliária em áreas verdes de proteção 
O CSul é um empreendimento que, segundo seus proponentes, contará com aproximadamente 110 mil moradores em 50 anos. Tudo começou em 2013, quando um pool de grandes investidores (Grupo Asamar, Alicerce/Tangará, Mindt e Barbosa Melo Participações e Investimentos/BMPI) adquiriu os terrenos restantes das fases I e II do Condomínio Alphaville, além de uma área de 27 milhões de metros quadrados no entorno da Lagoa dos Ingleses. 

Ele está dividido em três núcleos urbanos, a serem erguidos às margens de duas rodovias federais, no entroncamento da BR-040 (BH – RJ)  com a BR-356 (BH – Ouro Preto), nos limites do município de Nova Lima. 

Os limites territoriais do CSul estão inseridos APA SUL – Área de Proteção Ambiental, alcançando a zona de amortecimento de três Unidades de Conservação (Monumento Natural Serra da Calçada, Parque Estadual do Rola Moça e Estação Ecológica de Fechos). Além disso, estão localizados em um território conhecido pela presença e pressão dos condomínios fechados, pela grande quantidade de nascentes e pela ótima qualidade de águas subterrâneas.  

Em sua dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Eduardo Soares aponta o CSul como consequência da demanda provocada pela construção de condomínios por classes sociais abastadas que se espalharam pela região a partir da década de 1970.  

Segundo ele, o crescimento no número de veículos e de habitantes dos últimos anos gerou efeitos negativos para os moradores dessa região, como o aumento no tempo enfrentado no trânsito para ter acesso a serviços. De acordo com o pesquisador, isso fez com que agora a área tenha se tornado atrativa para esse tipo de empreendimento, que levará serviços para a população local evitando que moradores precisem se deslocar até Belo Horizonte. 

Porém, uma das consequência deverá ser, segundo ele, o crescimento desordenado de bairros populares na região, como o Jardim Canadá. Apesar da empresa negar nos documentos apresentados que haverá deslocamento de populações de outras regiões para o Vetor Sul da RMBH,  isso já vem se acentuando na região desde que uma fábrica de refrigerante se instalou ali, em 2015, atraída pela geração de empregos.

De onde sairá a água para essa “cidade particular”?
O CSul, planeja retirar água do aquífero denominado Cauê, um dos vários aquíferos localizados nos subsolos do Sinclinal Moeda, que por sua vez, é o principal reservatório de água subterrânea de todo o Quadrilátero Ferrífero. Quando estiver concluída, a “cidade particular” demandará 22 milhões de litros de água por dia. O cálculo foi feito com base no consumo médio de 200 litros por habitante ao dia, que é o que foi calculado em estudos hidrogeológicos apresentados pela própria empresa e anexado ao processo de pedido de licença ambiental do empreendimento. 

A estimativa é conservadora. Um especialista ouvido pelo Lei.A aponta que pelo perfil socioeconômico local e o tipo de residência que será construído, o consumo por pessoa pode chegar a 350 litros.
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O Lei.A é uma plataforma de conhecimento e ação pelo meio ambiente. É um observatório de leis, projetos de lei, temas e discussões ambientais criado a partir de uma parceria entre o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Associação dos Observadores do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural de Minas Gerais, afim de promover o direito à comunicação e empoderamento da população em relação às questões ambientais.

Edição: Raíssa Lopes