Durante a Guerra Fria, que tem início com o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) e termina com a dissolução da União Soviética URSS, em 1991, a democracia tomou um caráter ideológico. O bloco ocidental, liderado pelos EUA, passou a usar o termo democracia como a qualidade essencial dos países capitalistas que promoviam eleições livres; liberdade de imprensa e autonomia entre os três poderes constituídos. Com isso, a democracia deixava de ser encarada como forma de vida social para tornar-se um tipo de governo e um instrumento ideológico para tamponar as conquistas de direitos das classes subalternas, as discriminações étnicas e a submissão das mulheres.
O que prova que democracia era um termo de fachada. E que todas as vezes que as classes trabalhadoras e segmentos marginalizados da sociedade encontravam-se na iminência de conseguir alguma conquista, os países capitalistas interrompiam a democracia e implantavam ditaduras. No final do ano de 1963, um grupo de paramilitares tumultuou e impediu a realização de um congresso da CUTAL, Central Única dos Trabalhadores da América Latina, em Belo Horizonte. Meses depois foi deflagrado o golpe militar de 1964.
A democracia liberal, desde a Revolução Francesa de 1789 declara os direitos universais do homem e do cidadão, mas a sociedade fica estruturada de tal forma que tais direitos não podem existir concretamente para a maioria da população. O Estado de Bem-Estar Social, ou social democracia, que surgiu nos países do Norte da Europa, após a instalação da Revolução Russa de 1917, ao contrário da democracia liberal, amplia a cidadania e os direitos sociais e amplas políticas públicas.
Inspirados nos efeitos da social democracia, os governos de Lula e de Dilma Rousseff (2003-2016) tiveram como meta o desenvolvimento social e cultural, combate à fome e à miséria, condenação dos preconceitos étnicos e de classes sociais. Apesar das oposições e obstáculos, a democracia voltada para o progresso humano foi firmemente sustentada, até que Michel Temer decretasse seu fim. Agora a democracia tem sido utilizada para colocar no poder quem é contra todas as conquistas democráticas. Serve para garantir discursos de posições retrógadas tentando justificar censura nas realizações artísticas, científicas e políticas.
Na fase atual da hegemonia do neoliberalismo, o que predomina é o individualismo, a competição, o egoísmo, as discriminações, a visão de que se deve vencer os demais e se possível eliminá-los. Essas tendências já estão entranhadas na cultura e correm na contramão da democracia que trouxe a prática do respeito pelo outro, pelas diferenças; proporcionou meios de defesa e segurança às classes assalariadas; conferiu direito antes negados às mulheres, aos negros e aos indígenas.
Nesse competitivismo tudo isso está sendo escamoteado, prevalecendo o autoritarismo, o anti-humanismo, em que o arbítrio, o desaforo e a mentira trazem à tona o ódio, discriminação e violência.
*Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS.
Edição: Elis Almeida