O Ministério Público do Meio Ambiente de Ipatinga e Usiminas assinaram, na tarde desta segunda (14), um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para quantificar, qualificar e mitigar e a emissão de partículas sedimentares (popularmente conhecidas como “pó preto”) na região.
Como endossado pelo promotor Rafael Pureza, “todo mundo que mora na cidade sabe do tamanho e dimensão do problema que é essa emissão das partículas”. Por isso, dando continuidade em um caso que o Ministério Público do Meio Ambiente (MP) começou a acompanhar desde agosto de 2016, foi firmado esse TAC que possui dois pontos principais, segundo o promotor. O primeiro é criar uma rede permanente de monitoramento das partículas sedimentares, que irá identificar as fontes emissoras e qualificar a composição do pó preto. O segundo é o reconhecimento da urgência e compromisso da Usiminas em reduzir a emissão das partículas sedimentares. Se no prazo de até 13 meses não houver consenso sobre as questões tratadas no acordo, é prevista uma multa de R$ 30 milhões.
Entenda o caso
A Usiminas é a maior produtora de aços planos da América Latina. A planta principal da siderúrgica foi instalada em Ipatinga, no Leste de Minas Gerais, em 1958 e desde então a cidade se desenvolve ao redor da empresa, com bairros tão próximos que se separam da usina apenas por uma cerca de placas de aço. Em maio de 2016 o motorista Leslie Martins registrou um Boletim de Ocorrência contra a empresa, devido a 4Kg de pó preto retirado da calha de sua casa no Iguaçu, um dos bairros que circulam a usina. A partir dessa denúncia, o MP começou a monitorar o material expelido pelas 97 chaminés e alguns outros pontos de emissão na siderúrgica.
O promotor destaca que há décadas o problema é visível na cidade, e que não há solução simples por ser uma questão “interdisciplinar e demanda conhecimento técnico que não está consolidado ainda para a resolução total do problema”. Mesmo se tratando de uma questão interdisciplinar, como o Brasil de Fato denunciou em julho deste ano, o Ministério Público do Trabalho não tinha conhecimento dos encaminhamentos do inquérito que corria no Ministério Público do Meio Ambiente. Um estudo que revela a emissão das partículas sedimentáveis e também chama atenção para a emissão de material poluente dentro da área da empresa, colocando em risco a saúde dos trabalhadores.
A partir desta informação e com base em outras investigações, o Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação civil pública na qual também requer laudo técnico de uma auditoria independente para a identificação das fontes de emissão atmosféricas da usina e análise química de todas as substâncias lançadas na atmosfera. Pede também uma medição da exposição ocupacional de todos os trabalhadores (próprios e terceirizados). Além da implantação de medidas de proteção coletiva, adequadas e eficazes para eliminar ou prevenir a liberação ou disseminação de todas as emissões atmosféricas.
O que diz a empresa
Segundo Túlio Chipoletti, vice-presidente industrial da Usiminas, a empresa não seria a única responsável pela emissão das partículas, mas ele reconhece que talvez seja a maior. Ainda conforme disse Chipoletti, o TAC visa identificar se outras fontes como queimadas, baixa umidade e a frota que circula na região também seriam corresponsáveis pelos elevados níveis de emissão das partículas.
O vice-presidente indicou alguns prazos a serem cumpridos: em até 30 dias seria a fase de definição para instalação dos painéis de monitoramento, que, pelo acordo, deverão ser localizados nos bairros das Águas, Bom Retiro, Cariru, Centro, Novo Cruzeiro e Veneza. A partir da definição dos locais, a empresa teria mais 60 dias para efetivar a instalação e, assim, sete meses depois da assinatura do TAC, será possível obter informações que poderão contribuir para as medidas de redução da emissão do pó preto.
De acordo com uma declaração lida por Túlio Chipoletti, “é importante ressaltar que antes da assinatura desse compromisso com o Ministério Público, a Usiminas já vinha investindo em iniciativa na mitigação do incômodo do chamado pó preto. O exemplo mais recente é a instalação de canhões de névoa, hoje em fase de teste na usina. E o incremento de umectação de pilhas de matérias primas e vias internas, assim como o uso de polímeros, substância usada para selar o material sobre as pilhas.”
Como dito, os canhões estão em fase de teste há pouquíssimo tempo, mais precisamente depois que as primeiras denúncias sobre as irregularidades na emissão das partículas começaram a ser veiculadas e as ações do MP apontavam para sanções à empresa. Sobre a “umectação de pilhas de matérias primas”, não foi encontrada informação no site da empresa para especificar melhor o procedimento. Aparentemente, trata-se de umidificar as pilhas de matérias primas para evitar movimentação das partículas, mas no site da Usiminas aparece uma referência para a técnica em um relatório de 2017, para a planta de Cubatão.
Como ficará o pó
Tanto o MP quanto a empresa reforçaram a particularidade do atual TAC. Ele é exclusivo para as partículas sedimentáveis, o pó preto. Não abarca questões sobre o Material Particulado, que são partículas inaláveis, ou seja, que podem ser absorvidas pelo corpo humano. Também conforme noticiado pelo Brasil de Fato, essas partículas são definidas como MP 10, aquelas cujo diâmetro é menor que 10 micrômetros (μm), e MP 2,5, com diâmetro menor que 2,5 μm, o que representa 3% do diâmetro de um fio de cabelo. Quanto menor a partícula, maior o perigo.
Os quatro painéis que estão instalados atualmente em Ipatinga medem esse material. No entanto, é utilizado um parâmetro emitido pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), de 1981, quando o MP 2,5 sequer era reconhecido pela comunidade científica. Por isso, segundo Túlio Chipoletti, “aqueles dados que são divulgados na cidade quando diz que a qualidade do ar está boa ou regular, está boa mesmo, de acordo com os parâmetros legais”.
Fato é que o pó preto continua caindo em grande quantidade sobre a cidade, como por exemplo durante a manutenção do Alto Forno 3, ocorrida há cerca de 10 meses. No Cariru, um dos bairros limítrofes com a empresa, uma mulher de 42 anos que prefere não se identificar, trabalha lá há nove anos e diz que “o pó está muito, você limpa pela manhã e lá por volta de meio dia, está tudo preto de novo”.
A engenheira ambiental sanitária, Rafaela Fonseca, fala de desafios enfrentados por nascer e viver em Ipatinga. “Tenho orgulho da infraestrutura da cidade, porém sofro com problemas respiratórios causados pela rinite desde nova e vejo cada vez mais comum entre amigos e familiares essas doenças”. Ela questiona também as informações repassadas pelos painéis de monitoramento já instalados na cidade. “Nunca confiei nos letreiros dizendo que o ar da cidade está de boa qualidade, primeiro por saber que é uma referência muito genérica, já que existem inúmeros parâmetros a serem considerados nesse monitoramento, segundo devido a sua constância, já que não variam de acordo com o clima, verão chuvoso ou inverno seco”, conclui.
Veja o vídeo:
Edição: Joana Tavares