Não é novidade que, em outubro, vivemos dias conturbados na Câmara de BH, por conta da apreciação, em 1º turno, do projeto “Escola sem Partido”. Pode parecer correta e ponderada a avaliação de alguns de que a proposta é inconstitucional e, por isso, acabará “morrendo na praia”.
Mas não é quando colocada no atual contexto dos flagrantes desrespeitos à Constituição que vêm ocorrendo nos últimos anos, fartamente denunciados na imprensa. O Escola Sem Partido pode se beneficiar da insegurança jurídica criada por parte do STF e do Judiciário, que abandonaram seu caráter legalista, por pressão e até pela adesão a grupos reacionários que avançam no país. Nossa democracia está em risco.
Tão importante quanto o pão, a liberdade de ensinar é uma conquista de séculos contra a intolerância
Por isso, mais do que nunca, é fundamental derrotá-lo em seu nascedouro, pois sua mera apresentação nas casas legislativas já tem servido de inspiração para instaurar pânico moral entre pais, criando uma cultura de constante vigilância e censura dos professores dentro das salas de aula.
Nas escolas particulares, pequenos grupos reacionários já fazem estragos — colégios tradicionais e progressistas como Loyola, Magnum e Santo Agostinho, espaços que, por essência, são de construção coletiva, de diálogo, de liberdade, de confiança e de participação da comunidade, passaram a ser tutelados por forças externas e alheias à comunidade escolar.
O Escola sem Partido não faz definição objetiva do que seria doutrinação. Quem há de definir os parâmetros? Justamente os autores da lei, reacionários que se aproveitam da democracia, para consolidar um estado autoritário, de controle do cidadão.
Os princípios do “Escola sem Partido” baseiam-se em pressupostos enganosos. No artigo 2º, por exemplo, surge a palavra “ideologia de gênero”, que é uma invenção de movimentos conservadores. O termo sequer existe como objeto de pesquisa acadêmica ou científica em nenhuma universidade do mundo. A série de obrigações ao professor, presente no artigo 3° também inviabiliza qualquer debate em sala de aula, sob pena de perseguição e censura.
Por duas semanas, nosso grupo de vereadores progressistas fez obstrução à pauta na Câmara de BH, para forçar a retirada desse projeto nocivo, agora aprovado em primeiro turno. Cabe lembrar que a obstrução é uma manobra regimental legal do Legislativo, reconhecida como um instrumento legítimo de exercício da democracia.
Nesses dias de tormenta, não travamos um combate simbólico, mas uma luta contra o atraso civilizatório. Tão importante quanto o pão, a liberdade de ensinar é uma conquista de séculos contra a intolerância religiosa, o machismo, o racismo e todos os tipos de preconceitos. Lutamos pela garantia de que o conhecimento e a liberdade de expressão estejam à disposição de todos e todas.
Arnaldo Godoy é vereador e presidente do PT-BH
Edição: Elis Almeida