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Para vender estatais, Zema terá que mudar constituição mineira

Aprovada durante governo Itamar, emenda constitucional pede referendo popular para desestatização

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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Além da Cemig, Copasa e Gasmig estão na mira da privatização
Além da Cemig, Copasa e Gasmig estão na mira da privatização - Foto: Copasa/Divulgação

Desde a campanha eleitoral no ano passado, a venda das empresas estatais é uma das principais promessas do governador Romeu Zema (Novo). Ele já apresentou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) projetos de lei (PL) relacionados à privatização da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) e outro que autoriza o Estado a aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, proposto pelo governo federal.

Apesar de até hoje Zema não ter apresentado uma proposta concreta de privatização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e nem da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), a adesão ao regime fiscal – que na prática é uma negociação da dívida com a União – impõe condições que envolvem cortes com pessoal e venda das empresas de energia e saneamento. Uma vez aprovado na ALMG, o PL 1202/2019 adere ao plano do governo federal e abre brechas para a venda da Cemig, Copasa e da Companhia de Gás de Minas Gerais (Gasmig).

No entanto, para desestatizar ou vender ações de empresas públicas e de sociedades de economia mista, o governo terá de apresentar um projeto de lei específica à ALMG e, caso ele seja aprovado por no mínimo 3/5 dos deputados estaduais, deverá ser submetido a referendo popular, que dirá se a lei irá ou não entrar em vigor. Essa norma está prevista na Constituição do Estado de Minas Gerais, especificamente no artigo 14, parágrafos 15, 16 e 17, que teve seu texto alterado por uma emenda aprovada em 2001.

Segundo o deputado federal Rogério Correia (PT), que na época foi o relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), submetida pelo então governador Itamar Franco, essa emenda é uma conquista, pois garante a participação direta do povo mineiro nas decisões de desestatização. “Hoje essa medida é central. Para vender estatais, o Zema vai ter que dizer que o povo não pode participar e não pode opinar sobre a privatização”, afirma.

Estratégias

A análise do deputado estadual André Quintão (PT) é que, para concluir qualquer processo de privatização da Cemig, da Copasa e da Gasmig o governador teria basicamente duas opções. Ou ele propõe a alteração da Constituição, por meio da aprovação na ALMG de uma PEC, ou apresenta um projeto de lei e depois, se for aprovado, submete ao referendo popular. Segundo o deputado, que é líder do bloco de oposição Democracia e Luta, os parlamentares estão atentos às movimentações do governador.  

“Estamos fazendo contatos e acreditamos que, até em função disso, o governador desistiu de encaminhar o projeto [de privatização da Cemig]. Quando isso acontecer, nós vamos promover o maior debate possível com a sociedade, mas a nossa posição majoritária [do bloco] é que privatizar a Cemig atende mais a uma crença ultraliberal do governador do que um caminho de auxílio na recuperação fiscal do Estado”, analisa.

Na opinião de Marcelo Cattoni, professor de direito constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se Zema enviasse uma PEC para retirar a exigência da realização de um referendo, sua aprovação seria inconstitucional. “Fere o princípio democrático. É passível até de ação direta de inconstitucionalidade perante tanto ao Tribunal de Justiça como ao Supremo Tribunal Federal”, discute. Ou seja, caso seja aprovado o retrocesso no direito à participação direta, existe a possibilidade de recorrer aos órgãos competentes do Judiciário, por ser uma medida inconstitucional.

História da Emenda

O governo de Itamar Franco, que durou de 1999 até 2003, foi marcado por uma intensa disputa com os ideais privatizantes de Fernando Henrique Cardoso, na época presidente da República pelo PSDB. Em Minas Gerais, antes de Itamar, o então governador Eduardo Azeredo seguiu a cartilha de FHC e deu passos em direção à privatização da Cemig.

Rogério Correia conta que, na época, Azeredo, além de privatizar o Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge) e o Banco de Crédito Real de Minas Gerias (Credireal), vendeu ações da Cemig e conferiu aos sócios minoritários poderes equivalentes aos do Estado. Após uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) realizada na ALMG, Itamar acionou a Justiça e conseguiu anular essa venda. Após a vitória, o então governador propôs a emenda à Constituição do Estado que exige a realização de referendo popular em caso de venda das estatais de energia, gás e saneamento.

Participação direta

Referendo popular é um dos mecanismos de participação direta na democracia brasileira, previsto no artigo 14 da Constituição Federal, junto com plebiscito e lei de iniciativa popular. Um referendo acontece para legitimar a decisão já tomada, como no caso do Estatuto do Desarmamento aprovado pelo Congresso Nacional. Os eleitores foram consultados, em 2005, sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições.

Um plebiscito é convocado antes da criação na lei para os eleitores opinar sobre o assunto, como em 1993, quando a população decidiu se o sistema de governo no Brasil seria monarquia ou república e parlamentarismo ou presidencialismo. Essa consulta consolidou o formato atual de governo.

Um exemplo de lei de iniciativa popular é a da Ficha Limpa, aprovada em 2010, que visa vetar candidaturas de políticos condenados por uma gama de crimes, que envolvem patrimônio privado, meio ambiente, saúde pública, abuso de autoridade, lavagem de dinheiro, trabalho escravo        etc. A lei foi motivada pela campanha organizada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.

Plebiscito Popular

Como forma de ampliar o debate na sociedade, para além dos mecanismos previstos em lei, movimentos populares                realizaram diversos plebiscitos populares, pelo menos nos últimos dez anos. O mais expressivo deles, foi o plebiscito contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), realizado em 2002 em 3.894 municípios brasileiros.

Entre as 60 entidades organizadoras, estavam a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional de Estudantes (UNE) e Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). A proposta da Alca previa a eliminação de barreiras alfandegárias para facilitar o comércio entre os países da América do Sul e Central, exceto Cuba, e os Estados Unidos. No plebiscito popular, 98% dos participantes foram contrários a assinatura do acordo.

Em Minas Gerais, em 2013, foi realizado um plebiscito popular sobre o preço da tarifa de energia e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços cobrados na conta de luz. Em mais de três semanas, cerca de 600 mil pessoas participaram da votação em todo o estado. O resultado, que apontou que 99,4% é a favor da redução da tarifa, foi entregue ao governador, na época Antonio Anastasia (PSDB), e para gestores da Cemig. Diversas entidades, sindicatos e movimentos populares participaram da construção do plebiscito.

Edição: Joana Tavares