Uma oportunidade desperdiçada! Porque audiência supõe querer "ouvir" os interlocutores com respeito mesmo quando sua opinião seja diferente da minha!
Não foi o que ocorreu na audiência pública na Câmara de Vereadores de Contagem na última quinta (31). Um grupo tumultuou o tempo todo. A denúncia feita várias vezes da Tribuna por alguns oradores é que este grupo seja formado por "comissionados" do poder Executivo Municipal, ou seja, base do prefeito. Considero essa acusação muito grave! Porque todo e qualquer cidadão tem o direito de participar, e que sejam garantidas todas as condições necessárias à igualdade. O que aconteceu na "audiência" foi o desrespeito total aos oradores, principalmente aos que se posicionavam contrários ao projeto da Prefeitura de Contagem.
Foi um desrespeito também com todos os cidadãos e cidadãs que lotavam as galerias ansiosos por ouvir e entender os posicionamentos "contra" e "pró" o projeto. Eu, Pe. Ferreira, fui designado para usar a palavra como represente da Arquidiocese de Belo Horizonte. Teria 3 minutos. Mas era impossível falar alguma coisa diante do tumulto e do barulho do grupo que não estava lá para ouvir, mas para tumultuar.
O que em linhas gerais pretendia dizer mas não foi possível é que estamos aqui em favor da vida! Como cristãos e cidadãos. Tenho consciência de que o que se deveria tratar na referida audiência é de tal importância que ultrapassa os credos religiosos, as ideologias, os partidos, as classes sociais.
O que é central para todos nós é o cuidado e a preservação da vida. O que está em jogo em torno da Várzea das Flores é muito maior do que economia, política partidária, religiosidades. Por isso penso que essa discussão exige de todos, mas principalmente do Poder Legislativo e do Executivo estudo sério de alta qualidade técnica; e prever com segurança máxima a curto, médio e longo prazo rigorosos meios de fiscalização das leis que forem adotadas.
Penso que não podemos nos omitir diante de tudo que vem acontecendo em Minas Gerais. A população e o poder público tem obrigação de conduzir com rigor tudo o que se refere ao meio ambiente e a segurança hídrica. Vejo esta questão da Várzea das Flores como uma oportunidade excelente de dar um exemplo para Minas Gerais, para o Brasil e para o mundo. É uma ótima ocasião de resgatar a credibilidade da classe política e do poder público e do setor empresarial perante a população. Não serão palavras que devolverão a credibilidade as instituições! Somente a firmeza das decisões em favor da vida, ouvindo o povo, poderá resgatar da lama a classe política e empresarial do nosso País.
Por isso foi muito grave a ausência de quase todos os vereadores na audiência, que deveria ter enorme importância. Os crimes ambientais recentes como em Mariana, e em Brumadinho, os incêndios da Amazônia e na Região Metropolitana de BH, não nos permitem acreditar ingenuamente nas empresas cujos interesses são obviamente lucrar, lucrar, lucrar.
A intervenção da Igreja nessas questões ambientais está em perfeita sintonia com a fé católica, com a tradição bíblica e com os posicionamentos de nossos pastores dom Walmor e o Papa Francisco.
Nossa fé nos ensina que defender, cuidar da Terra, nossa Casa Comum, nos aproxima do Criador que nos deu esta missão. Mais ainda. Cremos firmemente que qualquer ser humano, independente de sua crença religiosa, ou de sua ideologia política não pode ser a favor da destruição da Terra. O maior perigo, no pensamento da Igreja, é a ganância. É querer o lucro em primeiro lugar! Não é um preconceito ideológico contra empresários. No mundo inteiro e aqui em nosso país, os fatos revelam que sem rigorosa fiscalização da sociedade e do poder público, veremos com certeza outros desastres ainda piores. Cuidar da vida na terra é nossa missão cristã. "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" ( Jo, 10, 10).
Padre José Ferreira Filho é padre operário e atua na cidade de Contagem.
Edição: Elis Almeida