“São quatro anos de lama, poeira e de luta 24 horas por dia para provar que essa poeira é tóxica e que minha filha está contaminada pelos metais da lama da Samarco”, desabafa Simone Silva, atingida pelo crime da Vale, Samarco e BHP Billiton em novembro de 2015. A denúncia divulgada nesta segunda-feira (4) pela APública não pegou Simone de surpresa.
Na denúncia, a reportagem aponta que um relatório realizado pelo Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana (ARSH) confirmou que a poeira e o solo superficial de Mariana e Barra Longa estão contaminados por metais pesados e que a população pode ser contaminada através da ingestão, inalação ou absorção dérmica das partículas. Ainda de acordo com o órgão, o risco à saúde é gravíssimo e exige uma ação urgente.
Em 2018, o Brasil de Fato noticiou um estudo divulgado pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) apontando que onze moradores de Barra Longa estavam contaminados por metais pesados, entre eles a pequena Sofya - hoje com 4 anos, filha de Simone Silva. Desde o rompimento da barragem, ela e a família convivem com a poeira das mineradoras, que foi usada para recapear as ruas dos distritos.
Nos exames toxicológicos foram diagnosticados alto índice de níquel e arsênio e baixo nível de zinco. À época, a médica Aline Bentes, da Rede de Médicos e Médicas Populares, alertou que esse tipo de intoxicação pode causar insuficiência renal, doenças no fígado, anemia e doenças neurológicas graves, como psicose, demência e delírio. Aline Bentes ponderou ainda que uma vez intoxicadas, as pessoas devem ter acompanhamento médico por toda vida.
Desde 2017 o Movimento dos Atingidos por Barragens exige que as mineradoras arquem com o custo de exames toxicológicos para toda a bacia do Rio Doce. “Agora vemos o Estado e a Renova bloqueando não só o direito do acesso à saúde, mas também à informação das populações atingidas. Então nós novamente exigimos que todos atingidos, tanto do Rio Doce quanto do Paraopebas, realizem os exames e tenham acesso à esse e outros estudos sobre a contaminação da lama”, pontua Pablo Dias da coordenação nacional do MAB.
Além da poeira tóxica, o crime das mineradoras também afeta a saúde mental dos atingidos. A Pesquisa sobre a Realidade de Saúde Mental em Mariana (PRISMMA), divulgada no ano passado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apontou que entre os 271 entrevistados, o índice de depressão era cinco vezes superior à média brasileira. Além disso, foi identificado um risco de suicídio de 16,4%.
Brumadinho em alerta
Um mês após o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, moradores de Brumadinho e região começaram a apresentar os mesmos sintomas que as populações atingidas pelo crime da Vale, Samarco e BHP Billiton em 2015; coceira e irritações na pele, alergias respiratórias e queda de cabelo. Em todo a bacia do Paraopeba, cerca de 1,3 milhão de pessoas podem estar contaminadas com metais pesados.
Até agosto deste ano, somente 4,5% dos 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos haviam sido retirados pela Vale, segundo a última atualização da empresa, em julho. Passados mais de nove meses do crime, famílias convivem com a poeira e a lama tóxica da mineradora.
Em Pires, comunidade há 4 km do centro de Brumadinho, foi construído pela Vale, um bolsão onde são despejados rejeitos dragados do Rio Paraopeba. À época os moradores denunciaram que não foram ouvidos sobre a obra. “A Vale comprou esse terreno e começou a fazer as obras de terraplanagem para receber essas ecobags de rejeito de minério. Mas não houve nenhuma consulta à comunidade que estão abaixo, e vão sofrer com as consequências, que é a contaminação do lençol freático, do solo, da poeira da lama que também vai chegar”, questionou Eloá Magalhães, militante do MAB, temendo a possibilidade do Pires se tornar um novo canteiro de obras, como ocorreu em Barra Longa, próximo a barragem do Fundão, em Mariana(MG).
Vale recomenda que belo horizontinos usem água do Paraopeba
Mas os impactos do crime também podem repercutir na saúde da população da capital mineira. Pablo Dias, da coordenação do MAB denuncia que durante uma audiência pública realizada na última semana, para tratar sobre a possível crise hídrica na região metropolitana de Belo Horizonte, a Vale recomendou a captação da água do Rio Paraopeba para resolver o problema de abastecimento causado por ela. “A Vale é irresponsável. Mesmo tendo conhecimento da intoxicação causada pela lama, ela negligencia a saúde de mais de quatro milhões de pessoas que moram na região metropolitana. É um absurdo ela fazer esse tipo de recomendação”, questiona.
Renova: o crime é periódico
Em fevereiro deste ano o Movimento dos Atingidos por Barragens lançou um documentário abordando os problemas de saúde causados às populações atingidas pela lama da Samarco, Vale e BHP Billiton. No curta, o MAB denuncia que além da negligência com os atingidos, a morosidade da Renova em atender às famílias desencadeia também uma série complicações para a saúde mental das populações atingidas. O documentário pode ser conferido no link https://www.youtube.com/watch?v=2IB8herof-g
O que alegam o governo e a Fundação Renova?
Em nota publicada no site, a Fundação Renova afirma que “Os dados estão sendo avaliados juntamente com o governo do estado de Minas Gerais e as prefeituras de Mariana e Barra Longa”. e que “Em cumprimento à Nota Técnica 11/2017, todos os dados, informações e relatórios produzidos pelo estudo são proibidos de serem publicados pelas instituições contratadas e pela Fundação Renova, sem autorização das autoridades públicas”.
Já o governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria Estadual de Saúde informou à reportagem do Brasil de Fato que “O relatório encontra-se em análise por uma equipe multisetorial da SES/MG. E vem sendo elaborado um Plano de Ação que contemple a adoção de todas as medidas de curto, médio e longo prazo necessárias para minorar os danos causados. Ambos os materiais serão publicizados assim que as análises sobre eles forem concluídas.”
*Com informações de Pedro Stropasolas e Rafaella Dotta
Edição: Elis Almeida