No último mês o governador Romeu Zema (Novo) enviou para a Assembleia Legislativa dois Projetos de Lei (1.205 e 1.203/19) envolvendo a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig). O primeiro propõe o recebimento antecipado dos recursos da exploração do nióbio com cessão dos créditos até 2032. A alegação do governo é que o recurso auxiliaria o pagamento do décimo terceiro dos servidores.
Já o PL 1203/19 trata da desestatização da Codemig. A venda de estatais é uma das principais moedas de troca para adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal, que propõe uma "trégua" na cobrança das dívidas dos estados com a União durante um prazo de três anos. No entanto, especialistas avaliam que ao invés de resolver o problema orçamentário do Estado, a venda da Codemig pode causar um rombo ainda maior aos cofres públicos. Isso porque a Codemig é dona da maior jazida de nióbio do mundo. A mina fica no município de Araxá, região do Alto Paranaíba.
O nióbio é um mineral usado para fazer ligas de aço de alta resistência - com aplicações em plataformas marítimas, pontes e turbinas de aeronaves a jato. A reserva de Araxá tem capacidade de exploração por mais de 400 anos. Atualmente o Estado recebe 25% sobre o valor do que é extraído na mina.
Em 2018, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração - CBMM empresa privada que gerencia a mina, repassou ao governo mineiro R$ 477 milhões em impostos sobre a exploração do bem. Na avaliação do economista e especialista em finanças de organizações públicas da Universidade Federal de Minas Gerais Ivan Beck, a venda da estatal para sanar a crise fiscal do Estado é uma leitura errada do governador. “Temos alternativas à privatização que podem resolver melhor o problema. Como repensar os subsídios que o governo dá as empresas do setor minerário e dos agrotóxicos, por exemplo", pontua.
Em uma entrevista a uma emissora de televisão o próprio governador Romeu Zema admitiu que a venda da Codemig só resolveria a situação orçamentária do estado até março de 2020. “É preciso pensar estrategicamente e a longo prazo 25,30 anos. O governador não pode perder a influência sobre decisões de setores estratégicos para a receita do Estado”, conclui Beck.
Regime de Recuperação Fiscal
Apresentado junto com os outros dois PL’s, também tramita na ALMG o Projeto de Lei 1202/19 que impõe a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal. O RRF foi criado pelo governo Temer em 2017 e é mantido por Bolsonaro. Aderindo a ele, estados podem suspender o pagamento de sua dívida com a União por três anos, prorrogáveis por mais três. Depois, terão que voltar a pagar, com juros e correção monetária. Para o governo estadual aderir ao plano e ter sua dívida temporariamente suspensa, terá que cumprir 21 exigências, entre elas a venda de todas as estatais do estado. O Regime foi adotado no estado do Rio de Janeiro, no entanto economistas e políticos avaliam que a medida não solucionou os problemas orçamentários.
Lei de 2018 mudou o caráter da Codemig
Até 2018 a Codemig era a empresa responsável pelo desenvolvimento econômico do Estado e agregava diversas outras empresas do governo. Em agosto de 2018, o então governador de Minas Gerais Fernando Pimentel promulgou a Lei 22828, que abriu o capital da Codemig e transferiu diversas de suas atribuições para a Codemge, empresa criada pela mesma lei. Hoje a Codemig é voltada especificamente para a extração do nióbio e passou a ser sociedade anônima de companhia aberta.
Zema alega que a Codemig seria a primeira empresa do estado a ser vendida porque seus produtos não atingem diretamente os mineiros. No entanto, o que facilita a venda e provavelmente explica ela ser a primeira empresa na lista das privatizações, é o fato Constituição exigir para privatização da Cemig, Copasa e Gasmig a aprovação de por 2/3 dos deputados estaduais e pela maioria dos mineiros por meio de um plebiscito popular.
O que os mineiros perdem com a venda da Codemig?
O nióbio produzido em Araxá responde por 75% de toda a produção mundial. Sua produção anual é de 70 mil toneladas da liga de ferronióbio. Para se ter uma dimensão da riqueza e potencial econômico deste mineral, uma tonelada de nióbio é vendida por U$$ 26 mil. O valor é cerca de trezentas vezes mais do que a de minério de ferro, atualmente vendida a cerca de U$$ 76 a tonelada. Para o professor de geologia e especialista em política mineral Cláudio Scliar, o que o governo deveria fazer mediante a situação alarmante do caixa do Estado e o enorme potencial atual e futuro da extração do nióbio é se apoderar mais dessa riqueza que o Estado detém. “Para resolver problema do Estado governador está matando a galinha dos ovos de ouro. A preocupação do governador deveria ser a agregação de valor a estes insumos e não a venda da Codemig”, afirma o pesquisador.
Tribunal de Contas do Estado pede explicações ao governo
Assim que Zema apresentou os projetos na ALMG, o Tribunal de Contas do Estado pediu esclarecimentos ao governador, à Secretaria de Planejamento e Gestão e ao presidente da Codemig sobre a cessão de créditos e de privatização da empresa. As respostas aos pedidos de esclarecimentos, está em análise no órgão desde o último dia 21. O TCE vai analisar a legalidade dos atos do Poder Executivo, podendo impor ao governo recomendações, medidas cautelares ou sanções. Ainda não há previsão de quando o Tribunal de Contas dará o seu parecer sobre o caso.
Tramitação dos projetos
No último dia 20 o plenário da Assembleia Legislativa aprovou em 1° turno, por unanimidade, o PL 1205/19 que trata da cessão de créditos do nióbio. O texto deve ir para votação em segundo turno já na próxima semana, no entanto, antes de ir ao plenário, deverá ser analisado em audiência pública pelas comissões de Minas e Energia e Administração Pública.
Já o PL 1202/19 que trata da adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal está em avaliação na Comissão de Constituição e Justiça, assim como o Projeto 1203/19 que trata da venda da Codemig. Todas as propostas devem passar por pelo menos duas comissões para que cheguem ao Plenário.
Edição: Elis Almeida