Nas muitas postagens nas mídias sociais nos deparamos com muitas narrativas superficiais e até mesmo irônicas sobre as manifestações a respeito da morte da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco. Percebemos a superficialidade do discurso com o intuito de deslegitimar uma luta necessária em tempo de desconstrução de direitos e valores.
Em uma rápida visita as redes sociais, me deparei com uma entrevista, cujo entrevistado diz que após a morte de Marielle fizeram um “oba-oba”. Em síntese, a tese dele e de muitos, que nos comentários apoiaram sua fala, é de que morrem pessoas todos os dias e ninguém faz o que estão fazendo com a morte da vereadora.
Vendo de forma corrida os comentários, grande parte diz que é um “tiozinho” muito bem informado e que deveria ser convidado por muitos meios midiáticos para falar sobre o assunto. São obviamente comentários de pessoas pouco críticas, que seguem um posicionamento ou uma ideia sem o mínimo de reflexão. Além disso, muitas vezes, esses espaços virtuais não nos permitem um diálogo sadio, em que discutimos ideias e colocamos questões que devem ser levadas em consideração.
Mas as redes sociais também podem nos ajudar a esclarecer quem pensa que lutar por justiça para Marielle é “oba-oba”.
Comecemos por deixar claro que em nenhum momento foi-se falado ou levantado alguma bandeira dizendo que a vida da vereadora é mais importante do que a de outro cidadão. Seria insanidade discorrer sobre isso. O que se quer é justiça. A morte de Marielle teve motivação política. Claro, poderíamos nos perguntar: e as outras mortes que ocorrem todos os dias, com cunho político ou não, são menos importantes? Sim, são importantes, por isso a luta por justiça a vereadora, é a luta por justiça a tantas mortes que ocorrem nas periferias da nossa sociedade e até mesmo pelas vidas que andam na corda bamba e correm perigo de morte todos os dias. A luta por justiça para Marielle é a luta pelas crianças, adultos e idosos que convivem com o barulho dos tiros como se já fossem parte do cotidiano.
A bandeira “Marielle” não é apenas em defesa de justiça pela sua vida, mas pela vida de muitos que são dados como “vidas matáveis”. A vereadora representa todos que jazem nas periferias da sociedade: são negros, indígenas, lgbtq+, mulheres, homens e tantos outros. A execução de mais uma vida não foi porque ela resistiu a um assalto ou porque ela foi mais uma vítima de bala perdida como assistimos recentemente. Ela foi executada porque lutava contra os interesses dos grandes, ricos e poderosos, defendia pobres e ousava criticar os senhores da casa grande.
Assistimos à implementação de uma política que a cada dia torna mais nítido prezar pelos interesses dos empresários, latifundiários, militares e famílias tradicionais. Esses não vão negar um tiro a quem grita contra, a quem quer igualdade de gênero, dentre tantos outros direitos. A vereadora estava em meio a políticos que querem “carta branca” para matar e fazer a higiene social. Como consta, de forma eufêmica, no chamado ´excludente de ilicitude´ no projeto de lei batizado como “Pacote Anticrime”, pelo atual ministro Sérgio Moro.
Executar Marielle é tirar de campo alguém que fere o movimento que a máquina do governo vem fazendo. A vida que retiraram foi de uma mulher negra, homossexual, periférica que vivia lutava contra a violência policial e miliciana, criticava políticos corruptos, ousava ocupar espaços de “machos”, denunciava abusos de autoridade e até mesmo as ações da Politica Militar. Com isso, matar a vereadora não foi tirar apenas a sua vida, mas abrir brecha para matar mais e mais, até onde eles acharem que devem.
Lutar e ir para as ruas pela morte de Marielle não é um “oba-oba”, mas uma luta política por mais respeito e humanidade pelas minorias. É ir por uma política mais saudável que garanta direitos básicos a todos os cidadãos e cidadãs.
A morte de Marielle representa uma grande parcela da população que é taxada como passível de ser eliminada. Representa a luta por uma política mais justa e sobretudo todas as mortes que tivemos e ainda podemos ter frente aos retrocessos em curso.
*Frei Vitor Vinicios da Silva é frei franciscano e professor de filosofia.
Edição: Elis Almeida