Minas Gerais

Opinião

Refundar o Cruzeiro e (é) transformar o Brasil

Gestão do time de hoje é um pouco a síntese da gestão do país atual

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
A pior crise da história do clube, geradora da queda para a segunda divisão, é fruto dessa política de aparências
A pior crise da história do clube, geradora da queda para a segunda divisão, é fruto dessa política de aparências - Foto: Bruno Haddad/Cruzeiro

Tudo se desgasta com o tempo, inclusive as instituições. Diante dessa realidade, os gestores realizam pequenas mudanças para garantirem uma aparência melhor ao que está envelhecido. Essas alterações aparentes seriam uma espécie de botox em um rosto enrugado ou uma recauchutada em um carro que já rodou 99 mil km.

O Cruzeiro sobrevive a esse desgaste, mas, como destacado, as alternativas de mudanças dos atuais gestores só mexem na aparência, constituindo mera cortina de fumaça para nada alterar. A pior crise da história do clube, geradora da queda para a segunda divisão, é fruto dessa política de aparências: endividamentos fora de qualquer realidade; enriquecimento ilícito ou imoral de diretores/conselheiros e empresários que parasitaram a instituição; contratos prejudiciais e comprometedores ao clube, que beiram ao absurdo...

Alguns, de forma oportunista ou equivocada, já apontam formas de superação desse problema olhando para a o projeto de lei que regulamenta os clubes se transformarem em empresas (PL 5082/16) ou na esperança de passarem o chapéu para algum endinheirado assumir a gestão da instituição. Esquecem que a experiência do Figueirense, administrado em 2019 como clube empresa, quase acabou com o time de futebol, por pouco não o levou a série C. O prejuízo ficaria só com os torcedores. Já para os que acreditam em “padrinho rico”, clube como o Cruzeiro (o grande endividado dessa história) possui diretores ricos, jogadores milionários e a maioria dos pouco mais de 400 conselheiros formada por falsos “notáveis” composto por desembargadores, parte do grande empresariado, políticos conservadores, juízes, membros de famílias tradicionais da elite mineira. Hoje, são esses pequenos grupos que decidem o que acontece com um clube que interfere diretamente na vida de 9 milhões de pessoas, ou seja, muito poder na mão de pouca gente.  

A gestão do Cruzeiro de hoje é um pouco a síntese da gestão do Brasil atual: mais antidemocrático, elitista e ignora o seu povo, como Dona Salomé, torcedora símbolo e funcionária do clube, que dois dias depois do rebaixamento veio a falecer, quem sabe, de desgosto. Tanto em um caso, como no outro, algumas ações podem ser feitas, sendo imprescindível a organização e mobilização popular para que as transformações se realizem.

No que diz respeito ao Cruzeiro, algumas bandeiras são mais evidentes para a sua refundação, podendo ser destacadas em um curto prazo três delas e uma quarta, simbólica, em especial:

Direito ao voto do sócio-torcedor/a. Já que vivemos em um país democrático, as instituições de caráter popular devem ser democratizadas. Essa não é nenhuma novidade em grandes clubes do futebol brasileiro, a exemplo do que ocorre com o Bahia, o Internacional e o Fluminense.

Mudança do estatuto do clube. Essa é a forma jurídica adequada para o início da democratização imediata do Cruzeiro. Assim, poderá ser garantida a mudança na forma de escolha de conselheiros, a ampliação do número de eleitores com a fidelização do sócio-torcedor, a possibilidade de interferência participativa da comunidade na fiscalização da transparência da gestão do clube, dentre outras ações.

Estímulos aos planos populares e de interiorização para sócio-torcedor. Isso estimula o povo a participar e contribuir para a construção do Cruzeiro. Não só o torcedor de Belo Horizonte, mas também do interior de Minas Gerais e de outros Estados.

Mudança do nome da sede administrativa. Deixaria de ser Zezé Perrella e passaria a ser Maria Salomé da Silva. Essas mudanças levam uma carga simbólica fundamental do que se quer com a instituição, nesse caso, homenagear quem deu a vida pelo Cruzeiro, sem esperar nada em troca.

Mesmo aqueles que torceram contra o Cruzeiro reconhecem que se trata de uma instituição, que no seu quase centenário, tornou-se das mais gigantes desse país, sobretudo, por dois motivos: o seu povo (a China Azul, homenageada hoje pela memória de dona Salomé) e a sua história de páginas heroicas imortais que trazem os ares de teimosia e convicção da mineiridade em notas musicais-futebolísticas que vão de clube da esquina à Tostão. Refundar o Cruzeiro, em alguma medida, pode também significar mudar o Brasil!

Edição: Wallace Oliveira