Governador faz um feijão-com-arroz sem feijão e sem arroz
O governo de Romeu Zema (Novo-MG) completa um ano com um misto de mentiras no varejo e retrocessos no atacado. No capítulo das mentiras, o governador comandou pessoalmente o descumprimento de várias promessas populistas de campanha. Não ia usar aviões do Estado, ia transformar o Palácio das Mangabeiras em museu da mordomia, não lançaria mão de jetons para complementar salários de secretários. Fez tudo isso e não queimou a cara, usando sempre argumentos falaciosos e comparações infantis, como é de seu feitio, para justificar seu estelionato eleitoral.
No que diz respeito aos retrocessos, extinguiu vagas de tempo integral nas escolas estaduais, anunciou um projeto de privatização de empresas públicas estratégicas e transformou o governo numa caderneta de mercadinho, com obsessão pelo corte de gastos e ausência de proposição de políticas públicas responsáveis capazes de gerar desenvolvimento. Alguém sabe, por exemplo, o que Zema apresenta para áreas como saúde, habitação, cultura e segurança? Um feijão-com-arroz sem feijão e sem arroz.
No campo político, enfraqueceu a democracia com esvaziamento de conselhos e relação inepta com o Legislativo. Usa o pagamento do salário do funcionalismo como instrumento de chantagem para seus projetos na Assembleia. Parece ter um orgulho sádico em rebaixar o estado junto à federação, para justificar sua intenção de renegociar a dívida pública e melhorar sua contabilidade de caderno. Uma estratégia entreguista, imediatista e sem grandeza. O governador prefere a sombra da contabilidade miúda à luz do desenvolvimento.
Para completar, sua aliança tácita com Bolsonaro (que foi explícita e orgulhosa durante a campanha) deixa entrever que sua administração não se reduz a um projeto econômico liberalizante, ao gosto do mercado. O governador, ainda que de forma dissimulada, partilha da inspiração autoritária e antidemocrática do governo federal. Zema não é uma versão mais amena do presidente, mas um genérico assumido: tem a mesma formulação, mas menor preço no mercado político.
A falsa dicotomia entre projetos econômicos liberais e valores conservadores, que tanto agradou os empresários e setores da mídia corporativa, que se viram assim modernos sem a necessidade de defender o atraso em “costumes”, se replica com Zema em vários momentos de seu primeiro ano de governo. É tudo uma coisa só: entreguismo e concentração em economia, de um lado, somado ao reacionarismo cultural no sentido amplo da palavra, de outro.
O governador já relativizou o golpe de 1964, como afirmou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, destacando “pontos positivos” da ditadura militar. Na mesma ocasião, criticou a Constituição por consagrar direitos em excesso e dificultar o trabalho dos gestores. Saiu na frente em atender ao chamado para a criação de escolas públicas estaduais de inspiração militar. Criou uma estrutura para privatizar empresas do estado, mas se esquiva de discutir o tema com a sociedade.
Frente a crimes ambientais hediondos, preferiu se concentrar na retomada da atividade econômica das empresas em vez de investir numa política eficiente de fiscalização, punição exemplar e recuperação dos danos à natureza e à existência das pessoas afetadas. Vidas perdidas, áreas destruídas, impacto a ser medido em décadas, tudo foi posto em segundo plano.
As empresas responsáveis pelos desastres se tornaram elas mesmas fiadoras de suas punições e atitudes de reparação. Numa reversão kafkiana odiosa, o criminoso conduz a mão da Justiça na forma de ações sempre limitadas, criadas de acordo com suas próprias conveniências. Ao Estado, restou a tarefa de garantir a continuidade – às vezes facilitada – da exploração econômica que deu origem às catástrofes.
O governador desidratou a área da Cultura, que se tornou apenas um chamariz de entretenimento para o setor turístico. Enfraqueceu o arcabouço participativo da empresa pública de comunicação, mudando a legislação e reduzindo a presença da diversidade social nos conselhos. De pública a comunicação passou a ser, na prática, estatal. Não respeitou o partido que o elegeu e entregou a condução política a agremiações que combateu na campanha como representantes do passado.
Parece Bolsonaro? Em certo sentido é mais que mera semelhança. Termo a termo: trata-se de um alinhamento estratégico com o atraso econômico, social, político e cultural. Uma consagração do projeto da extrema direita, com a falsa capa de defesa da liberdade de mercado (na verdade a extinção de direitos e das políticas distributivas), com a entrega constrangida da pauta dos valores aos segmentos mais conservadores. O pior dos dois mundos.
Os mineiros têm mais três anos de Zema pela frente. É tempo a ser ocupado com a resistência e oposição consequente, incansável e articulada. Mas é, sobretudo, um período que deve ser dedicado também à construção de uma alternativa popular, socialista e democrática para o estado e para o país. Um projeto que retome laços de solidariedade com o povo e agendas políticas compartilhadas de forma madura e responsável.
Edição: Elis Almeida