Às vésperas das festas de fim de ano, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) denunciam que policiais militares montaram base dentro de dois dos seus acampamentos desde a terça-feira, dia 17 de dezembro. O acampamento Pátria Livre e o acampamento Zequinha, localizados em São Joaquim de Bicas (MG), na Região Metropolitana de Belo Horizonte, passam por um clima de constrangimento e terror, segundo moradores.
A entrada da Polícia Militar (PM) começou às 13h de terça, dia em que as crianças da Escola Elizabeth Teixeira, localizada dentro do acampamento, faziam sua formatura. Segundo nota do movimento, policiais tentaram interrogar alguns pais no dia da comemoração, sem apresentar mandado para entrar na área. A PM teria entrado com tropa de choque, cachorros farejadores e helicóptero.
Os relatos ainda afirmam que policiais assediaram moradoras do acampamento com comentários degradantes. Na chegada de um ônibus de integrantes do MST, os policiais teriam feito um “corredor polonês” para os acampados passarem. As mulheres, que eram maioria, afirmam que policiais faziam comentários do tipo “tem gente aqui que não é sem-terra, é um pitelzinho”; “olha que bonitinha essas mulheres. Até que dá pro gosto”.
A agricultora Alessandra Andrade, que mora no acampamento Zequinha há um ano e seis meses, diz que está revoltada com a atitude da PM. “A polícia está agindo como se tivesse bandido aqui dentro. E aqui não tem bandido, tem trabalhador, gente honesta com a mão cheia de calo igual a minha, de tanto trabalhar e lutar pela terra”, conta. Sobre a ronda da noite, Alessandra reafirma que os policiais estão “assediando e olhando pro corpo das mulheres”.
O que diz a polícia
O tenente-coronel Itabirano, que responde pela operação, alega que o motivo da entrada da Polícia Militar é realizar “policiamento ostensivo” para evitar crimes. “Assim como a gente faz policiamento nos bairros”, completa. Diz ainda que a ação não é relacionada a uma reintegração de posse, que só pode ser feita mediante ordem judicial, mas que a PM ficará “até quando precisar”.
A integrante da direção estadual do MST Mirinha Muniz, discorda dos motivos alegados pela Polícia. “Eles dizem que estão ali para garantir a segurança das famílias, que existem denúncias de que ali tem criminosos, mas não apresentam quem são esses criminosos, não apresentam plano de trabalho. Ao contrário, fazem filmagens das famílias o tempo todo e a gente fica sentindo extremamente violado”, critica.
Mirinha conta que a polícia montou uma base no acampamento. “Aqui não é um lugar que permite essa entrada violenta da polícia. A gente quer a retirada imediata da PM de dentro do acampamento, pois as famílias não se sentem seguras com a presença dela”, reivindica. “Além de ser assediada sexualmente, a gente se sente moralmente desrespeitada”, complementa.
Em 21 de janeiro está marcada uma vistoria do Juiz Walter Zwicker Esbaille Jr. E, em 23 de janeiro, acontece uma audiência de conciliação, no Fórum Lafayette, sobre a negociação entre o antigo proprietário e as famílias acampadas. O MST afirma que essa é a única intimação jurídica da área.
Hoje (18) acontece um ato inter-religioso em solidariedade às famílias sem terra. Será no Acampamento Zequinha, a partir das 17h. Um ônibus sairá do Armazém do Campo (Avenida Augusto de Lima, 2136) com apoiadores de Belo Horizonte.
Conheça o acampamento
Juntos, o Acampamento Pátria Livre e o Acampamento Zequinha abrigam cerca de 1.200 famílias, segundo o MST. As duas áreas são de propriedade do empresário Eike Batista, preso por corrupção ativa e lavagem de dinheiro, e encontravam-se abandonadas à época de sua ocupação. Em nota, o MST apontou que a área sofreu constantes violações ambientais.
Em 2018, os integrantes do movimento ergueram e inauguraram uma escola de madeirite dentro do acampamento, com turmas do ensino fundamental, ensino médio, Educação de Jovens e Adultos e alfabetização. A Escola Elizabeth Teixeira foi reformada em 2019 e agora tem muros de alvenaria.
Mais um destaque sobre os acampamentos em São Joaquim de Bicas é que eles foram atingidos pelo rompimento da barragem da Vale, de Brumadinho, em janeiro de 2019. Os dois acampamentos são banhados pelo Rio Paraopeba, que foi tomado pela lama, e passam por enorme dificuldade quanto à agricultura, já que a diretriz do MST é a plantação sem uso de venenos ou contaminantes.
Edição: Larissa Costa