"Oi, tudo bem? Meu passageiro pode te dar um presente?". É com essa pergunta que o motorista de Uber Dione Alves surpreende os trabalhadores dos semáforos e as pessoas que leva dentro do carro.
Se quem está na rua aceita o pedido, o motorista pede que quem está no veículo abra a janela e entregue um dos pacotes de pipoca – uma balinha, ou uma paçoca – que ficam guardados no automóvel. Por um instante, a barreira que separa dois mundos se fragmenta.
Os doces, Dione compra com o dinheiro que ganha das gorjetas espontâneas dos clientes. Na verdade, as lembrancinhas são só uma desculpa para o momento que vem depois. Para o minuto de contato. Alguns desses encontros foram registrados e estão sendo publicados na conta “Abrindo a Janela” no Instagram.
Dione virou Uber há aproximadamente dois meses, após perder o emprego. "E aí comecei a ganhar muitas gorjetas por causa do meu atendimento. Com essa experiência do aplicativo, fui vendo muita gente passando fome e gente com carro de R$ 500 mil. Comecei a me sentir egoísta com essa grana, e com uma revolta dessas coisas que estão acontecendo e parece que ninguém vê”, conta.
Fazendo o passageiro presentear os “guerreiros dos sinais”, como ele chama os ambulantes e pessoas em situação de rua, o motorista acredita que encontrou uma forma de conscientizar.
"É uma maneira sutil de mostrar pra pessoa que quando ela estiver no carro dela, ela pode abrir o vidro. Mesmo que não tenha dinheiro, tem um ‘boa tarde’, um ‘boa noite’, ‘bom dia’. Uma vez eu dei R$ 1 pra um cara no sinal e ele sorriu mais com a pipoca da passageira do que com a moeda", diz Dione, que fez muitos amigos pela cidade e está sendo reconhecido pelos guerreiros.
O motorista salienta que postar nas redes sociais não é o objetivo e que a internet está sendo utilizada para difundir a ideia de empatia e respeito. “É lindo porque é espontâneo. Eu não ando com uma câmera no pescoço”, ressalta, lembrando de uma experiência que teve com o morador de rua Eraldo, que dorme na Praça da Liberdade.
O senhor, ao ser perguntado se poderia tirar uma foto para a página de Dione, negou o pedido. Mas Dione disse que também sairia na imagem. “Aí ele, todo marrento, topou e do nada posou com o símbolo do rock’n’roll [risos]! Nunca imaginei”.
Uma pausa no caos
Uma outra ação está presente na rotina de Dione no Uber. Durante as tardes, em um determinado horário do dia, a Rádio UFMG Educativa dedica um tempo da programação para tocar músicas clássicas ou relaxantes.
No período, o condutor convida os passageiros a deixarem os celulares de lado para se concentrarem nas canções e na respiração. Muitos deles, de acordo com o motorista, entram exaltados e saem calmos – o teste foi feito até na Black Friday e deu certo.
"Olha, é também um presente pra mim. Porque eu trabalho de 7h da manhã a 8h da noite de segunda à quinta, e sexta eu pego às 7h e vou até umas 00h, 1h... Isso me ajuda a ter mais calma, ter paz. Não é que eu sou um buda, né, mas ajuda e equilibrar", brinca.
Edição: Joana Tavares