No dia 5 de novembro de 2015 ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, em Minas Gerais, que despejou cerca de 55 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração no ambiente. O desastre causou pelo menos 20 mortes e enorme devastação ao longo de mais de 670 quilômetros de Mariana até a foz do rio Doce, no litoral do Espírito Santo. Além disso, o rompimento que afetou mais de 43 municípios é considerado o maior desastre socioambiental brasileiro e o maior do setor minerário no mundo.
A partir do rompimento, iniciaram-se uma série de medidas relacionadas a questões de sanidade socioambiental. Num primeiro momento por parte da mineradora Samarco, controladora da barragem, e posteriormente pela Fundação Renova, entidade criada para efetivar a reparação dos danos. Apesar disso, o conjunto de atingidos não se sentiu representado e não concordou com diversas ações, procedimentos e resultados apresentados pela Fundação, evidenciando ações que entendem ser essenciais e que são desconsideradas por ela.
A partir do início do trabalho da assessoria técnica com os atingidos e por iniciativa de outros atores no território, foram executados diversos estudos, produção e levantamento de dados e documentos a fim de subsidiar a participação dos atingidos no processo de tomada de decisão acerca das ações necessárias para se efetivar uma reparação integral. Com relação às questões de saúde da população e recuperação ambiental em Barra Longa foram realizadas iniciativas como as do epiSUS (Programa de treinamento em epidemiologia aplicada aos serviços do SUS – Ministério da Saúde) em 2016 e 2018 sobre o perfil epidemiológico e toxicológico da população; o Estudo em saúde da população realizado pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade em 2017, primeiro a evidenciar a contaminação humana por metais na região; a realização de Diagnóstico situacional de saúde em Barra Longa realizado pela Rede de Médicos Populares em 2016; o Estudo de avaliação de risco à saúde humana realizado pela empresa Ambios, finalizado em Abril de 2019 e o Diagnóstico de perdas ecossistêmicas socioambientais de Barra Longa realizado pela UFOP em parceria com a assessoria técnica e atingidos.
Esses estudos levantaram uma gama importante de informações do município e da região, bem como fizeram recomendações relevantes aos setores de saúde municipais e estaduais, que ajudaram a subsidiar proposições de medidas de mitigação de danos, recuperação ambiental, necessidade de acompanhamento da saúde física e mental da população, monitoramento ambiental, melhoria dos sistemas de notificação e registro de informações, treinamento específico e continuado de agentes do setor saúde especificamente no trato com atingidos, entre outros.
Parte dessas recomendações constam no Plano de Ação em Saúde de Barra Longa, construído coletivamente entre atingidos, Secretaria municipal de saúde de Barra Longa, coletivo de saúde e assessoria técnica e que versa sobre diversas medidas necessárias para o município lidar com a real situação de saúde física e mental dos atingidos. Este plano passou pela apreciação da Câmara Técnica de Saúde em sua reunião ordinária de dezembro de 2018. Foi recomendada sua aprovação na Nota Técnica nº14/2018, que foi aprovada com ressalvas na Deliberação CIF nº252, também em dezembro. Apesar disso, a Fundação Renova apresenta ainda, quase um ano depois da aprovação do plano, novas discordâncias quanto a sua necessidade e implementação, postergando medidas vitais para a saúde da população atingida.
No que diz respeito ao estudo proposto pelos atingidos e realizado pela UFOP em parceria com sua assessoria sobre as perdas ecossistêmicas e as implicações diretas dos danos ambientais sobre a saúde da população, visamos ampliar a avaliação sobre os motivos dos adoecimentos e agravos à saúde, entendendo que estão relacionados com muitos fatores além da atual presença de contaminantes no ambiente. Dessa forma, consideramos o entendimento de que o direito à alimentação saudável, moradia digna, educação, direito à renda, meio ambiente saudável, transporte, lazer, serviços adequados de saúde, entre outros, são condições para se garantir a saúde integral da população, principalmente no que diz respeito a comunidades atingidas por externalidades advindas de grandes empreendimentos, nos quais o lucro é privatizado e os danos, socializados.
A partir desses estudos observamos impactos que se fazem presentes até hoje no município, entre eles: alterações psicossociais; manifestações clínicas dermatológicas, respiratórias e toxicológicas; presença de contaminantes orgânicos e metálicos no ambiente; alterações significativas nos modos de vida, projetos de vida e relações familiares e comunitárias da população; empobrecimento generalizado da população; deslocamento forçado; perda de renda não mitigada; alterações significativas no uso do tempo; situações de racismo ambiental, entre outros efeitos que se fazem mais nocivos aos setores socialmente vulneráveis da população. Estes danos não reparados adequadamente sobrecarregam o sistema de saúde municipal e as demais estruturas do poder público, que em situações de excepcionalidade sofrem ainda mais as consequências do desastre.
Entendemos que, após quatro anos de medidas mitigatórias, poucas ações que rumem em direção à resolutividade de problemas centrais para a vida das populações atingidas com relação à sua saúde foram efetivamente tomadas. Dessa forma, os atingidos organizados e acompanhados por sua assessoria reafirmam sua posição de agir no sentido de encaminhar ações urgentes que visem aproximar a reparação integral dos danos de seu sentido real e que coloquem as necessidades dos atingidos no centro da mesma, onde é seu lugar de direito, elencando as responsabilidades do poder público, Fundação Renova e empresas nesse processo.
Lineu Vianna de Oliveira Ribeiro é engenheiro agrônomo e assessor técnico dos atingidos e atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão em Barra Longa (MG).
Edição: Joana Tavares