A repercussão da contaminação por dietilenoglicol encontrado na linha de produção da cerveja Belorizontina, da Backer, uma empresa mineira, está dando o que falar nas últimas semanas. Até sexta (17), foi confirmada a presença da substância em quatro pessoas, uma delas faleceu em Juiz de Fora, na Zona da Mata, na semana passada. Outras três pessoas faleceram, mas ainda não foi comprovada a presença do dietilenoglicol no sangue.
Outros 14 casos de intoxicação estão sob investigação. O episódio tem levantado questões sobre controle de qualidade, fiscalização, monopólio da indústria e até mesmo possibilidade de sabotagem. Mas, esse caso específico da cervejaria Backer é um motivo para duvidar de todas as cervejas artesanais?
Para a cervejeira Liliam Telles, é importante considerar que o caso é complexo e envolve também questões comerciais, pois os donos da Backer se recusaram vender a empresa para a Ambev, cervejaria que controla o mercado de bebidas no Brasil. “A Ambev conseguiu comprar a Wälls [em 2015]. Um dado, da Associação Brasileira de Cervejas Artesanais (Abracerva), mostra que o mercado cervejeiro, para as cervejas convencionais, tem diminuído 3% ao ano, enquanto o mercado das cervejas artesanais tem aumentado cerca de 20% ao ano”, afirma.
A Ambev, de acordo com o portal Infomoney, é a maior cervejaria da América Latina. É controlada pela companhia AB InBev, que tem como um dos principais sócios o brasileiro Jorge Paulo Lemann, que ocupa a posição de homem mais rico do Brasil há sete anos, com uma fortuna de R$ 104,7 bilhões.
A Backer é artesanal?
As desconfianças contra a Belorizontina apareceram, em um primeiro momento, por meio das redes sociais, principalmente via mensagens de WhatsApp, com áudios sobre os “envenenamentos” causados pela cerveja, com outras mensagens dizendo que se tratava tudo de fake news, com outras chegando a “proibir” o consumo de todas cervejas artesanais. “As informações preliminares foram utilizadas para alardear e colocar medo na população de não consumir cerveja artesanal. Chegaram a circular outras informações dizendo que poderia ter sido queijo, cachaça, sempre atacando os produtos artesanais”, comenta Liliam.
Samuel França Alves, que também é produtor artesanal de cerveja para consumo próprio, explica que é importante diferenciar uma produção de cerveja artesanal para uma que, mesmo sendo puro malte – chamadas especiais –, é fabricada de forma industrial. “A Backer não produz cerveja artesanal, é uma cervejaria industrial de larga escala, mas que faz um produto diferenciado, que é valorizado pelos consumidores de cerveja”, aponta.
Segundo Samuel, as cervejarias especiais se diferenciam da Ambev pela qualidade do produto, pelo cuidado em fazer um produto mais puro, sem uso de aditivos, como o milho transgênico. “Muitas cervejas da Ambev levam no rótulo ‘carboidratos’, que quer dizer que eles adicionam qualquer coisa que vai fornecer a quantidade de açúcar necessária para a fermentação, mas que não é malte de cevada. Isso porque a Ambev quer reduzir ao máximo seus os custos”, ressalta.
Controle de Qualidade
Liliam é uma das mulheres que produzem cerveja Libertária. O negócio surgiu há quatro anos, em casa, para consumo próprio e hoje a cerveja já é comercializada em alguns estabelecimentos na cidade de Viçosa e em Belo Horizonte, por exemplo no Armazém do Campo. Para cumprir com a legislação, a Libertária é produzida em duas cervejarias da Região Metropolitana de BH, uma em Nova Lima e outra em Betim.
“Essas duas cervejarias já têm o registro e segue a regulamentação para seu funcionamento, que envolve o Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento] e a vigilância sanitária. Esse processo chama produção cigana, quando a gente tem a receita, mas não tem a infraestrutura”, explica. Ela ainda afirma que, de modo geral, as cervejarias recebem visitas regulares dos órgãos de fiscalização, que realizam inspeções, recolhem amostras das cervejas, fazem testes. “É um processo rígido e sistemático, complementa.
A cerveja fabricada por Samuel, a Big Bang, é informal, feita dentro de casa, para consumo próprio e para amigos. “Essa situação não é simplesmente uma decisão nossa. A legislação brasileira é proibitiva para a produção caseira, pois a produção de cerveja é considerada de alto impacto, por conta da quantidade de água e de resíduo do malte que ela gera”, explica. Segundo ele, a produção por mês chegou a 150 litros por mês, o que é muito pouco comparado às indústrias. A destinação do bagaço do malte é a compostagem, que produz, ao final, um adubo orgânico.
Andamento do caso
Em comunicado, atualizado na sexta (17), a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES) afirmou que foram notificados 18 casos suspeitos de intoxicação exógena por dietilenoglicol. Segundo a note, "está definido como caso suspeito todo indivíduo residente ou visitante de Minas Gerais que ingeriu cerveja da marca 'Backer', a partir de outubro de 2019 e iniciou, em até 72 horas, sintomas gastrointestinais (náuseas e/ou vômitos e/ou dor abdominal) associados a, pelo menos um dos seguintes quadros: alterações da função renal, sinais e sintomas neurológicos (paralisia facial, borramentovisual, amaurose, alterações de sensório, paralisia descendente e crise convulsiva)".
Na terça (14), a Prefeitura de Pompéu afirmou, em nota, que uma paciente faleceu na cidade no dia 28 de dezembro com “sintomatologia característica da síndrome nefroneural”. Segundo o documento, ela esteve em Belo Horizonte entre os dias 15 e 21 de dezembro a passeio.
Segundo perícia realizada pela Polícia Civil, também divulgada na segunda (13), o resultado das amostras recolhidas no tanque de refrigeração de um dos toneis usados na produção de cerveja deu positivo para dietilenoglicol. “A substância já havia sido detectada em amostras de duas cervejas dos lotes L01 1348 e L02 1348, que foram fornecidas pelos familiares das vítimas de intoxicação, logo no início dos trabalhos de polícia judiciária. O sangue dessas pessoas foi analisado e também foi detectada a substância”
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em nota emitida na segunda (13), intimou a Backer a recolher do mercado todos os produtos fabricados de outubro de 2019 até a presente data. “As análises exploratórias, realizadas pelos Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária nas amostras dos produtos Belorizontina e Capixaba, confirmaram a presença dos contaminantes monoetilenoglicol e dietilenoglicol. Até o momento, três amostras foram analisadas”, diz o texto. Na semana passada, o Mapa realizou o fechamento cautelar da unidade Três Lobos da cervejaria, localizada em BH, e apreendeu 139 mil litros de cerveja engarrafada e 8.480 litros de chope.
A Backer afirma que não usa dietilenoglicol na linha de produção, e que neste momento prestará aos pacientes e familiares o suporte necessário, mesmo antes de qualquer conclusão. “A cervejaria informa que continua colaborando, sem restrições, com as investigações. A empresa segue apurando internamente o que poderia ter ocorrido com os lotes de cerveja apontados pela Polícia”, diz o texto.
Em coletiva nesta terça (14), a CEO da cervejaria, Paula Lebbos, garantiu nunca ter comprado ou aplicado a substância dietilenoglicol em seus tonéis para resfriamento.
"Nós sempre estivemos abertos às investigações. Peço a todos que não julguem as outras cervejarias artesanais pelo que está acontecendo com a Backer. O que eu preciso agora é que não bebam Belorizontina, quaisquer que sejam os lotes”, reforçou.
Última atualização em 17/01/2020 às 18:15.
Edição: Joana Tavares