“A Vale está tratando a gente com muito descaso. Ela reconhece o direito de quem ela quer, ela joga vizinho contra vizinho, paga emergencial para um e não paga para outro para criar conflito dentro das comunidades. A situação é muito complicada, porque está todo mundo no mesmo barco, passando por dificuldades. A renda que a gente tirava para sustento das nossas famílias era através do Rio Paraopeba, do turismo, o peixe que a gente pescava. Perdemos tudo”, desabafa a líder comunitária Tatiana de Menezes, moradora do assentamento Queima Fogo, em Pompéu (MG), e integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
A cidade, localizada na Bacia do Paraopeba, foi uma das atingidas pela lama proveniente do rompimento da barragem da Vale, que estourou em Brumadinho no dia 25 de janeiro de 2019. Um ano depois do crime -- que deixou 272 mortos -- as famílias que moram na beira do rio seguem sem receber reparação.
Como parte da Marcha dos Atingidos, organizada pelo MAB, nesta terça (21), cerca de 350 pessoas se reuniram na Praça da Matriz para denunciar a negligência da mineradora. Em Pompéu, segundo Tatiana, somente em dois acampamentos atingidos são 49 famílias, cerca de 180 pessoas. Além disso, são diversas fazendas e vários “chacreamentos”, que são loteamentos de casas de temporada..
“Eu saí da minha terra pra trabalhar pra algum fazendeiro”
Pedro Roberto Alves também é morador do assentamento Queima Fogo. Nascido em Pompéu, conquistou seu pedaço de terra há dez anos. Lá ele e sua esposa viviam da produção agrícola antes do crime. Vendiam farinha, mandioca, queijo, ovo, frango e porco. Os produtos, segundo o agricultor, ninguém mais quer comprar, por causa da contaminação do rio. “O que eu vendia era suficiente pra pagar as despesas. A gente gradeava um pedaço de terra, ia fazendo os plantios”, lamenta. A água para consumo e para a agricultura era retirada no Rio Paraopeba.
O agricultor conta que suas despesas ficam em torno de R$ 1.200 por mês. Hoje, aos 66 anos, Pedro Roberto, que ainda não conseguiu se aposentar, precisa trabalhar “por dia” fazendo cerca de arame liso em fazendas para complementar a aposentadoria da esposa, que recebe um salário mínimo, mas R$ 700 são gastos com remédios. “Eu tenho que sair da minha terra, trabalhar pra algum fazendeiro para poder ter dinheiro para despesa, para conta de luz, telefone, comida. Olha a situação da minha mão, vê se pode”, conta.
Antes do crime, Pedro Roberto conta que no rio tinha diversos tipos de peixes, como carimba, dourado, pacu, piau e surubim. “A gente pescava muito, mas era pra comer. A gente não podia ficar comprando muita carne, o que tinha era o peixe”, explica. “O que a Vale fez pra nós foi uma coisa muito horrível, hoje a gente não tem mais o rio, não tem lazer, não tem nada”, complementa.
Segundo os próprios moradores, a Vale fornece caminhão pipa com água potável para o abastecimento dos locais atingidos.
Marcha
De Pompéu, as caravanas seguem para Juatuba, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde a programação segue com um debate sobre os impactos na saúde dos atingidos. Depois segue para Citrolândia, Betim (MG), com previsão para chegar em Brumadinho no sábado (25), quando o crime completa um ano.
Edição: Elis Almeida