“Em nossa visão de mundo o Território do Vale deve ser considerado como um SER VIVO”. Este é um trecho da proposta que os povos originários Pankararu e Pataxó, além do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), fizeram como estratégia de resistência ao projeto de construção de um mineroduto – o segundo maior do mundo – que sairia de Grão Mogol e iria até Ilhéus, na Bahia.
A proposta foi incluída na Carta Política do 36º Festivale, ocorrido em julho de 2019, em Belmonte, na Bahia.
A Justiça Federal suspendeu, na semana passada, os processos de licenciamentos da Sul Americana de Metais (SAM), empresa brasileira de capital chinês que busca explorar o minério de ferro no Norte de Minas. Além do mineroduto, o projeto inclui a mineração de ferro na região.
“Você pode falar em mineração em Grão Mogol. Tem gente que nem sabe onde é isso. Mas se falar da água dos rios atinge diretamente a todos. Para beber, dar banho em criança, em hospital. Essa luta é fundamental para gente impulsionar uma luta maior, em relação ao direito de consulta, conscientizar a população para se manifestar, dizer se quer ou não esse empreendimento”, explica Geralda Chaves Soares, a “Gera dos índios”, como é conhecida por seus quase 40 anos de atuação com esses povos.
Ela acrescenta: “Vários povos indígenas serão atingidos por esse projeto: Pankararu, Pataxó, Aranã Índio, Aranã Cabloco, Tupinambá, inclusive a cacique está ameaçada de morte. Mais um motivo para unificarmos o território. O Vale sem a Bahia não Vale. É nosso lema”.
A proposta foi encaminhada para o Fórum das Organizações e Movimentos Populares do Vale do Jequitinhonha, o Fórum do Vale, uma articulação que, há 20 anos, reúne entidades das três regiões do Vale – Baixo, Médio e Alto.
“Esse grande território de vida não é só Minas. É preciso fazer o diálogo além de Salto da Divisa, que separa Minas da Bahia. Aproximar mais desses povos que também estão nas margens do rio”, avalia Decanor Nunes, agente da Cáritas Diocesana de Almenara e integrante, assim como Gera, da Comissão Executiva do Fórum.
Maria Afonso, agente da Cáritas e também da Executiva do Fórum, explica que a pauta entrou para as prioridades do ano. “Se a mineração está presente no Vale, precisamos discutir sobre isso, porque a gente quer proteger nosso território. E é por isso que chega esse projeto de unificar o Jequitinhonha como território único. A mineração não vai trazer benefícios para o território do Vale, mas muitas ameaças. Vai diminuir a água. Além da destruição em si de onde vai ser explorado o ferro, tem as barragens de rejeitos, que serão imensas. As comunidades que serão desapropriadas. Não é só terra, não é só água, é a cultura do povo”, reforça.
Desenvolvimento?
“O Jequitinhonha sempre foi usado com esse discurso do progresso. A monocultura de eucalipto quando chegou aqui foi o mesmo discurso, a hidrelétrica de Irapé a mesma coisa e agora a mineração: é emprego, salvação do Vale, redenção do Vale. E se for contar quantas nascentes morreram, quantas plantações secaram por causa do eucalipto?”, questiona Gera.
Felipe Leonardo Soares Ribeiro, militante do MAB na região, explica que o projeto da SAM tem dois impactos centrais. O primeiro é sobre o “volume monstruoso de água”: 51 milhões de metros cúbicos por ano. “Paralelamente, a mineradora propõe construir uma barragem, no rio Vacaria, para suprir essa necessidade, de onde ela pretende tirar 600 mil litros de água por hora, numa região semi-árida, onde chove pouco e as comunidades precisam racionar até a água que bebem”, critica.
O segundo impacto é que lá está prevista a construção da maior barragem de rejeitos do Brasil, uma das maiores do mundo. “Em termos de área e volume de rejeitos, é aproximadamente 100 vezes maior que a que rompeu em Brumadinho”, alerta Felipe.
“É uma barragem que seria feita sobre vários córregos, que além de abastecerem comunidades situadas abaixo, são afluentes do rio Vacaria, um dos principais afluentes do Jequitinhonha. Qualquer tipo de contaminação que acontecer ali vai cair no rio, prejudicando todo mundo que está abaixo. Lembrando que o Jequitinhonha já sofre com esgoto, com agrotóxicos, várias formas de poluição”, acrescenta.
Próximos passos
Em relação à suspensão do licenciamento, Felipe avalia que a empresa vai recorrer, que será necessária muita mobilização popular para impedir a viabilização do megaempreendimento.
Alexandre Gonçalves, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no norte de Minas, explica ainda que a decisão foi provisória, pois diz respeito à competência do licenciamento, que era o tema da ação civil pública. A Justiça vai julgar ainda o mérito do processo, ou seja, qual órgão tem competência para conceder a licença. “Depois desse resultado, vamos ter que continuar a luta. Esse projeto vai causar um impacto gigantesco no meio ambiente. A quantidade de água que eles vão usar poderia abastecer a população inteira da bacia do Jequitinhonha”, completa.
Edição: Elis Almeida