Mais de quatro anos depois do rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco (Vale\BHP Billiton), moradores de Barra Longa, na Zona da Mata de Minas Gerais, temem que a enchente leve de volta rejeitos para suas casas e quintais. O grande volume de chuvas, registrado nos últimos dias em todo o estado, tem elevado o nível dos rios Carmo e Gualaxo do Norte que cortam a cidade e levado apreensão aos moradores.
É a primeira vez depois do crime das mineradoras na cidade que é grande o risco de uma cheia de grandes proporções. Chove na cidade desde quinta (23), com uma pequena trégua na tarde de sexta (24). Os atingidos se aglomeram e se revezam na vigília na praça Manoel Lino Mol, no centro da cidade, onde em 2015 a lama chegou a oito metros do leito do rio Carmo. A força da água que desce impressiona os moradores e a lembrança da tragédia reforça o medo.
Em outros pontos da cidade, a água já invadiu quintais e áreas de pastagem. Na região baixa da Volta da Capela, onde fica o encontro dos rios Gualaxo e Carmo, a água já chegou no galinheiro de algumas casas e as famílias começam a retirar móveis, animais e outros pertences.
Na parte alta, famílias de atingidos já começam a sair de casa devido ao risco de desmoronamento, como é caso de Maria Aparecida Cardoso, de 60 anos, que saiu de casa no início da noite de sexta (24). Ela mora com mais três pessoas e cuida da mãe Terezinha Cardoso, de 90 anos.
Aparecida lembra que é uma das famílias que aguarda que a Fundação Renova, controlada pela Vale, a BHP Billiton e a Samarco, cumpra os acordos feitos com a comunidade de remanejar para casas seguras temporárias, reformar e reconstruir moradias que foram danificadas pelo intenso movimento de caminhões. Ela e mais 450 famílias na cidade aguardam a finalização de processos de reforma, reconstrução ou reassentamentos no município.
“Enquanto a Renova não resolve nossa situação, cumprindo com seu dever discutido com Ministério Público em reuniões aqui na cidade, eu e muitas outras famílias continuaremos vivendo situações de medo tendo que sair de casa com crianças e idosos, como minha mãe de 90 anos”, denuncia.
Aparecida também é uma das famílias que a Fundação cortou o Auxílio Financeiro Emergencial, um recurso conquistado com uma verba básica para todos atingidos que perderam renda por causa do rompimento. Alegando falta de adequação aos critérios, a Fundação fez contatos por telefone em setembro do ano passado anunciando corte sem dar maiores explicações. Desde então, Aparecida perdeu o auxílio, direito garantido em acordos assinados pela própria empresa. Nos próximos dias ela vai morar no Salão Comunitário.
Da janela de casa, outra atingida olha apreensiva o rio há menos de cinco metros de distância. Marly Mesquita e Leandro Coelho moram na Rua Primeiro de Janeiro, que ficou deserta nos últimos quatro anos por causa dos danos da barragem e do demorado processo de reconstrução. Cerca de dez famílias se mudaram da rua e estão em casas temporárias aguardando a finalização de reformas e reconstruções.
Leandro, que é cadeirante, e sua esposa viveram difíceis dias após o crime de 2015. Eles perderam tudo. Agora, com a casa reformada, eles observam apreensivos. “Eles mexeram muito nas margens do rio. Agora a água sobe mais rápido e vem mais para o nosso lado. Mas, vamos ficar. Todos os telefones estão ali para ligarmos pedindo ajuda”, comenta.
Outro grande receio dos moradores é o retorno dos rejeitos para dentro dos quintais e das casas por causa da enchente. Desde 2017, estudos independentes tem demonstrado que Barra Longa está contaminada no solo, no ar e nos alimentos devido a presença de metais pesados. As mineradoras negam a situação e não tomam medidas para garantir a saúde da população.
Lindomar Silva, atingido da Volta da Capela, mostra a água dentro do galinheiro de uma casa perto do encontro dos rios. Ele monitora a cheia e relata o receio da volta dos rejeitos. “Estamos todos preocupados com essa enchente que pode ser a maior desde 2015. E desta vez, trazendo novamente os rejeitos que estão dentro dos rios piorando a contaminação em nossa cidade”, afirma.
Edição: Larissa Costa