Belo Horizonte começou esta quarta-feira (29) se recuperando dos efeitos da chuva que caiu sobre a capital na última sexta (24) e na terça (28). No estado, até o momento, foram confirmadas pela Defesa Civil 55 mortes e milhares de pessoas desalojadas. De acordo com previsões do órgão, ainda há possibilidades de pancadas de chuva pelos próximos dias.
Diante do verão chuvoso, dos alagamentos, dos riscos geológicos e de vários transtornos, uma questão vem à tona: o que deve ser feito para minimizar e evitar essas situações? Ou a chuva seria um desastre natural impossível de ser contido?
“A chuva não castiga, não desaloja, não desabriga e nem mata ninguém. Quem está em casa com boa estrutura, construída sobre terra firme, pode dormir tranquilo, porque a casa não cairá com as chuvas”, publicou Frei Gilvander Moreira, em seu blog. O militante e professor acredita que a chuva não é a inimiga, mas sim a injustiça social e a falta de planejamento urbano.
“Quem é atingido quando a chuva chega em um volume maior, salvo exceções, são as famílias que tiveram seus direitos humanos fundamentais – direito à terra, à moradia, ao trabalho, à educação, a um salário justo, ao meio ambiente equilibrado e à dignidade – desrespeitados pelo capitalismo neoliberal e por pessoas que adoram o deus capital, o maior ídolo da atualidade”, completa.
É preciso salvar as áreas verdes
O modelo de cidade que Belo Horizonte segue historicamente é baseado em asfaltos, prédios e canalização dos rios. As primeiras obras do Rio Arrudas, por exemplo, começaram no início do século 20 e a última etapa foi entregue em 2007.
Isso, na opinião de Luara Colpa, integrante do movimento Parques JA e da Associação de Bairro Jardim América, impacta diretamente na força da água e no caos que as chuvas podem causar. “Antes o rio fazia curva, seguia seu curso natural. Quando há a canalização, tampando tudo com cimento, a velocidade da água é muito maior e o impacto também. E com a chuva, o rio sobe e gera a enchente. Em muitos países, a solução para esse problema foi retomar o curso natural dos rios e refazer as matas ciliares, porque elas sugam a água mais que o asfalto”, explica.
Luara explica que não existe nenhum projeto do poder público que aponte para este sentido, de revitalização dos rios canalizados em Belo Horizonte. Por outro lado, as áreas verdes da cidade, que também podem ajudar na absorção de água, na diminuição das enxurradas, estão ameaçadas pela especulação imobiliária.
A Mata do Mosteiro, Mata do Planalto, Mata São João Batista (Lareira), Mata da Isidora, Mata da Baleia e o Complexo da Pampulha podem ser loteadas a qualquer momento, conforme denúncias de movimentos populares. O mesmo acontece com o Parque Jardim América, na região Oeste da capital. A área, que possuiu 20 mil metros quadrados, é alvo de disputa entre a construtora MASB e os moradores do bairro. A empresa quer construir um empreendimento com quase 300 apartamentos, 29 lojas, 40 salas comerciais e 752 vagas de garagem.
O Parque Jardim América e a Área de Preservação Permanente (APP) do bairro Betânia, essa com 28 mil metros quadrados, são as últimas áreas verdes da Região Oeste, segundo Luara. “A nossa luta é pra que, pelo menos, a gente minimize a situação. Porque as pessoas estão morrendo, estão perdendo suas casas e as construtoras continuam apostando em uma cidade ‘mercadoria’. Onde vamos parar com isso?”, desabafa.
A Mata do Planalto também é a última área verde da Região Norte de BH. Com 300 mil metros quadrados de Mata Atlântica, é rica em biodiversidade e possui 20 nascentes que desaguam no Córrego Bacurau. Segundo Margareth Ferraz Trindade, do Movimento Salve a Mata do Planalto e da Associação Comunitária do Planalto e Adjacências, se não fosse essa área verde, as enchentes na Avenida Vilarinho – que sofre alagamentos há anos – seriam muito piores. “O verde segura a água, o ideal seria que os rios ficassem abertos e eles tivessem vegetação em volta, porque a vegetação absorve 90% da água da chuva”, aponta.
Além de manter as áreas verdes, as soluções listadas por Margareth passam por retirar os asfaltos dos bairros, incentivar o plantio de árvores, incentivar as pessoas que moram em casas a terem quintais e, principalmente, abrir os rios e retirar a canalização.
No entanto, para isso, seria necessário mudar a relação entre ser humano e natureza, e construir uma política para cidade que “não favoreça a indústria do cimento e as construtoras”, como ela diz. “Tem que abrir os rios, tem que ter uma relação melhor da cidade com os rios. Porque é a nossa origem. A água é nossa sobrevivência”, ressalta.
Edição: Elis Almeida