As chuvas de janeiro tiveram forte impacto nas cidades mineiras. Segundo a Defesa Civil de Minas Gerais, até a tarde desta quinta-feira (30), havia 55 mortos e mais de 8 mil desabrigados em todo o estado. Milhares de pessoas perderam tudo o que tinham em desmoronamentos ou inundações. Na metrópole, importantes vias ficaram alagadas, a água arrastou veículos, destruiu infraestruturas e interditou o trânsito na região.
Chuva não tem culpa, vítimas também não
A arquiteta e urbanista Mônica Bedê explica que o problema não é exatamente o aumento das chuvas, mas como as cidades estão estruturadas para receber esse fenômeno natural. Isso, segundo ela, tem a ver diretamente com planejamento urbano e gestão. Mônica lembra, em primeiro lugar, a situação das famílias que são compelidas a morar em áreas de risco.
Morar em local seguro, com infraestrutura, serviços e onde a família pode se deslocar com facilidade é algo presente apenas em uma parte da cidade, onde os imóveis são mais caros. “Quem não consegue alugar ou comprar nesses lugares recorre a áreas que o planejamento indica que não podem ser ocupadas, que o mercado imobiliário deixou para trás e que apresentam risco mais provável”, explica.
Já as enchentes e inundações estão associadas a obras que tornam o solo impermeável, à canalização dos rios e às soluções para a drenagem das águas. “Pense o que acontece no meio natural: a chuva cai, a terra absorve, brotam nascentes. As curvas do rio reduzem a velocidade. Quando a cidade chega, o rio é retificado para acompanhar o traçado das ruas, encaixotado e a cidade é impermeabilizada pelo asfalto e construções. A água não entra na terra, corre e depois transborda, gera enchente”, ilustra.
A urbanista ressalta, porém, que esse problema não está dissociado da questão da moradia, do saneamento e da mobilidade. “Imagine que uma enchente por si só é um tragédia. Aliada à falta de saneamento, é uma tragédia ainda maior, um problema de saúde pública”, exemplifica Mônica Bedê, que integra o Habite a Política, coletivo de estudiosos, movimentos e trabalhadores da área de habitação.
Não existe receita mágica, é preciso aproveitar o que já existe
Nas últimas três décadas, o país experimentou um grande avanço na elaboração de leis e programas para uma urbanização adequada. A Constituição de 1988, o Estatuto da Cidade (Lei federal 10.257/2001), a criação do Ministério das Cidades em 2003, os diversos planos diretores e um conjunto de políticas urbanas e de habitação deram aos gestores públicos ferramentas para prevenir contra as enchentes.
Belo Horizonte é uma das cidades que se destacam pela disponibilidade de normas e programas para atender a população que vive na cidade informal. Além do novo plano diretor (Lei municipal 11.181/2019), o município dispõe de uma política de habitação de mais de duas décadas, que passou por revisão recente no Conselho Municipal de Habitação (disponível no link).
Para famílias que residem em áreas de risco geológico e inundação, existe, por exemplo, o PEAR - Programa Estrutural em Área de Risco, com ações de monitoramento e, se preciso for, remoção preventiva, com concessão de Bolsa Moradia ou reassentamento definitivo.
Além disso, a Constituição e o Estatuto da Cidade fornecem dispositivos que permitem ao poder público facilitar o acesso à moradia por meio da construção de novas casas, locação social e financiamento, além de reaproveitar imóveis ociosos, que não cumprem sua função social, entre inúmeras outras medidas possíveis.
Porém, atualmente, esse repertório esbarra em dois grandes obstáculos. “Sem recurso não se pode fazer nada. O governo federal retraiu o investimento em todas essas políticas. Municípios sozinhos fazem alguma coisa, mas não muito. E tem também a gestão integrada e participativa. A participação popular é essencial para que haja uma inversão de prioridades. Sem ela, acredito que é impossível”, avalia.
Edição: Elis Almeida