As chuvas que caíram sobre Minas Gerais mostraram uma série de erros que nossos governos estão tomando todos esses anos, e a canalização dos rios e córregos talvez seja o principal deles. Para entender o presente precisamos conhecer a nossa história, e por isso vamos mergulhar no estudo do geógrafo Alessandro Borsagli, autor dos livros “Rios invisíveis da metrópole mineira” e “Horizontes fluviais”.
De arraial à capital
1894: o local era chamado de Arraial do Curral Del Rey e o seu principal curso d’água era o ribeirão Arrudas. Passava por dentro ou nas margens do arraial uma série de córregos, como o Acaba Mundo, Leitão, Pastinho, Lagoinha, Mata, Mangabeiras, Ilha, Bolina e Capão Grande. A olhos vistos o arraial tinha fartura de água e essa foi uma das vantagens para que no lugar fosse construída a capital mineira.
Belo Horizonte foi desenhada no papel - uma das primeiras cidades planejadas do país - e erguida entre os anos de 1894 e 1897. O projeto era apenas para os quarteirões de dentro da avenida do Contorno, e aí já estavam planejadas as intervenções nos córregos e ribeirões. O Arrudas foi canalizado e tornado reto, sem curvas, e para os demais córregos o destino seria pior: foram colocados embaixo de quarteirões.
“BH nasceu rompendo com a rede hidrográfica do sítio escolhido para a construção da nova capital. Se observar a planta de 1895, não existe uma harmonia entre o traçado planejado e a rede hidrográfica”, destaca Alessandro. “Apesar de conhecerem os cursos d’água, eles não foram levados em consideração”.
A partir de 1920, todos os córregos dentro da avenida do Contorno foram de fato cobertos e você pode estar passando por cima deles sem saber. O córrego Barroca (Rua Mato Grosso), córrego do Leitão (Rua Curitiba, Rua São Paulo e Augusto de Lima), córrego do Zoológico (Rua Pernambuco), córrego Acaba Mundo (Rua Professor Moraes, Afonso Pena e Parque Municipal) e córrego da Serra (Rua Aimorés, Avenida Brasil e Rua Maranhão).
Canalização se espalhou pela cidade e enchentes também
Os anos se passaram e a população de BH aumentou. A cidade viveu, até 2001, jogando todo o seu esgoto na bacia do rio Arrudas, que por sua vez deságua no rio das Velhas. O mau cheiro, as enchentes, a falta de água e a falta de tratamento de esgoto lançava doenças e indignação sobre a cidade. O que era respondido pelo governo municipal com a promessa de canalizar, ou seja, esconder os rios.
Entre 1966 e 1973 aconteceram as maiores intervenções fluviais em Belo Horizonte, desta vez para fora da avenida do Contorno. Porém, comparações feitas por Alessandro Borsagli mostram que as enchentes não foram resolvidas, ao contrário, eram cada vez maiores.
Em 1915, o alagamento aconteceu no córrego da Serra e no Arrudas; em 1948 aconteceram alagamentos no Arrudas e em mais seis pontos em vários córregos; em 1962 o alagamento foi gigantesco no Arrudas e em outros cinco pontos de córregos; e em 1977 a enchente foi no Arrudas e em nove pontos em córregos.
Mesmo sendo ineficiente, por que a canalização continua? O pesquisador explica que “esconder” os rios serviu também para aumentar preços de imóveis e alargar ruas. “Esse modelo proporcionava uma ocupação mais regular do território. É um modelo que veio da Europa, implantado no Brasil depois da proclamação da república como elemento de ‘progresso’. Tanto que as canalizações foram muito utilizadas como propaganda política, e ainda são”, diz.
2020: os rios no asfalto
Com a canalização de 25% dos rios naturais, há uma semana a população de BH viu avenidas se transformarem em enormes corredeiras, como a avenida Tereza Cristina, a Andradas, a Vilarinho, a Bernardo Vasconcelos, a Cristiano Machado, a Silviano Brandão, a Silva Lobo e a Prudente de Morais. A Defesa Civil estendeu para até 31 de janeiro, sexta-feira, o alerta de pancadas de chuva.
Edição: Elis Almeida