Esse é o primeiro ano em que o governo de Romeu Zema (Partido Novo) realiza as matrículas de alunos nas escolas estaduais, e o resultado está sendo de enorme insatisfação. A página da Secretaria de Educação de Minas Gerais e recepções de escolas estão cheias de mães e pais reclamando do sistema online implantado para a matrícula. Estima-se, inclusive, que muitos estudantes fiquem fora das salas de aula por causa da burocracia.
O caos no sistema de matrículas teve início em novembro do ano passado, quando a Secretaria de Educação de Minas Gerais determinou que todos os alunos se cadastrassem em uma página na internet. Nos anos anteriores, os estudantes frequentes eram matriculados de forma automática, enquanto os novos alunos, que vêm de outra escola ou começam a estudar, eram inscritos na própria escola.
No novo sistema, antigos alunos foram inseridos no site por suas escolas, enquanto os novos alunos precisaram ser inscritos por suas mães e pais, o que gerou inúmeras dificuldades.
Em resposta à reportagem, o governo estadual afirmou que até o momento inscreveu 1.627.000 estudantes. A quantia é 13% menor que 2019, em que o estado teve 1.860.000 alunos matriculados, de acordo com o Censo Escolar. Isso fortalece a preocupação de especialistas, que apontavam a possibilidade de evasão escolar.
Diversos erros
A Secretaria alega que a inscrição online traria maior transparência à distribuição das vagas, segurança na administração das escolas e o fim da superlotação das salas de aula. Porém, na divulgação da primeira lista de inscritos, em 18 de janeiro, começou a aparecer uma série de erros que contraria o que a Secretaria afirma.
“Meu filho tem 15 anos e foi inscrito no turno da noite. Ele não vai estudar à noite”, diz uma mãe. “Meu filho foi inscrito numa escola para alunos portadores de deficiência, mas ele não tem deficiência”, reclama um pai. “Moro na rua de uma escola, mas meu filho foi colocado em uma escola a 21 km daqui”, diz outra mãe.
A reclamação mais comum foi de que mães e pais escolheram uma escola (na página era possível escolher primeira, segunda e terceira opção), mas seus filhos foram mandados para escolas diferentes e, muitas vezes, bem distantes. Em notícia divulgada na sua página, a Secretaria admitiu que 98 mil estudantes foram encaminhados para escolas que não escolheram.
O mais preocupante é que outras mães e pais relatam que ainda não conseguiram a confirmação da matrícula dos filhos, pois, mesmo inscritos na página, eles não constam nas listas da Secretaria.
Um ciclo de menos vagas
A professora de história de Vespasiano, Rafaela Moraes, explica que a matrícula online prejudicou também os professores. Como o sistema cadastrou um número de alunos menor que o real, a Secretaria de Educação está contratando profissionais para atender apenas esse número de alunos. “Tudo isso impacta numa desordem da escola, que não sabe quantos alunos vai ter”, diz, e também no desemprego de professores, serviços gerais e cargos administrativos.
35% dos mineiros não têm acesso à internet
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad C), de 2018, mais de 6 milhões de pessoas em Minas Gerais não tinham acesso à internet. Para os alunos de escolas rurais, a falta de acesso à internet foi uma barreira para a matrícula, que só poderia ser online.
Janeiro teve protestos de mães, pais e sindicato em todo o estado
Os problemas nas matrículas aconteceram em toda Minas Gerais e, como reação, diversas comarcas do Ministério Público receberam protocolos de denúncia contra o governo estadual. A orientação partiu do Sind-UTE/MG e enfatizava que o governo estaria colocando “obstáculos ao direito social à educação”, além de retirar dos pais a autonomia de escolherem a escola em que os filhos estudarão, o que pode contribuir para a infrequência dos alunos.
Esses “obstáculos”, segundo Denise Romano, coordenadora do Sind-UTE/MG , fazem com que mães e pais busquem escolas municipais para matricular seus filhos, pois não conseguiram resposta afirmativa na rede estadual. Assim, o Estado estaria contrariando o artigo 208 da Constituição Federal, que diz que é seu dever fornecer educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade.
Denúncia no MP contra o governo
Subsedes do Sind-UTE/MG, junto a pais de alunos, apresentaram Protocolos de Denúncia às comarcas regionais do Ministério Público contra o Governo de Minas Gerais. Em Governador Valadares, a ação aconteceu em 20 de janeiro; em Unaí, em 21 de janeiro; em Betim, em 22 de janeiro e em Ipatinga, em 24 de janeiro. “Estamos percebendo agora a materialização do processo de municipalização”, alertou o Sind-UTE Ipatinga em nota.
Contra a municipalização: Já em Mariana, a população protestou, em 16 de janeiro, contra o fim do 1º ano do ensino médio na Escola Estadual João Ramos, uma orientação do Plano de Atendimento da Secretaria de Educação de MG, que determina o fechamento de diversas turmas de 1º ano (para crianças de 6 anos).
Em Nova Lima, em 20 de janeiro, a população realizou ato público para conseguir informações sobre o processo de municipalização das escolas estaduais. Em seu site, a prefeitura de Nova Lima confirma que, a partir desse ano, está iniciado o processo de municipalização do ensino fundamental II (do 6º ao 9º ano) em todas as escolas estaduais da cidade.
Análise: O que está acontecendo com a educação em MG?
As novas diretrizes implantadas pelo governo do Estado podem resultar em uma diminuição dos alunos nas escolas estaduais. Essa possível diminuição é um “erro do sistema” ou é um projeto?
Para Denise Romano, coordenadora do SindUTE/MG, esta atitude é parte de um projeto do governo Zema para diminuir gastos com a educação. O plano de atendimento (de outubro) e a fusão de turmas (feita em agosto) tiveram o objetivo claro de reduzir as vagas e as classes nas escolas estaduais. O sistema de matrícula online, na opinião de Denise, fez isso excluindo famílias mais pobres.
“Vamos imaginar uma família que não tem condições de arcar com o transporte. Qual vai ser a opção dessa família? O estudante vai sair da escola e entrar num subemprego”, alerta. Denise analisa ainda que, a longo prazo, a intenção do governo seria entregar as escolas a empresas – a privatização da educação.
Em seu programa de governo, Romeu Zema já afirmava o objetivo de realizar Parcerias Público-Privadas para empresas gerenciarem estabelecimentos escolares, o que diminuiria o gasto do estado e aumentaria o gasto das famílias com educação.
Edição: Elis Almeida