O que justifica um país onde 27% da população feminina é negra ter no Congresso Nacional apenas 2% de mulheres negras? Nada, a não ser o preconceito. As barreiras à participação política das mulheres negras são múltiplas e interrelacionadas, tendo como pano de fundo a discriminação que nos levou a níveis mais baixos de educação e capital social, a maior pobreza e marginalização geográfica. Mas vou resumir nossa baixa representatividade a três fatores que considero centrais: o racismo estrutural, o machismo e a falta de empenho dos partidos para corrigir essa distorção.
Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais não é diferente: entre os 77 deputados, somos dez mulheres e, pela primeira vez na história, três mulheres negras. Segundo o Mapa Étnico Racial das Mulheres na Política Brasileira, elaborado pela Confederação Nacional de Municípios, a baixa representatividade das mulheres negras nos espaços de poder se deve também à crença em um estereótipo. Após centenas de entrevistas, o Mapa conclui que partidos e o próprio eleitorado tendem a associar competência política a um perfil masculino, branco, heterossexual, casado e de boa posição econômica e social. Um estereótipo que, definitivamente, não nos comporta.
Mas esse não é o único aspecto que reduz a participação de mulheres negras na política nacional. Sobre nós incide uma dupla discriminação, a racista e a sexista. Porque não basta vencer o racismo, temos que ultrapassar outro obstáculo: vencer o machismo. Como a divisão do trabalho é extremamente desigual – hoje as mulheres chefiam 29 milhões de lares e ainda assumem as tarefas da casa e o cuidado com os filhos -, falta tempo e disposição para a participação política.
Mesmo as câmaras de vereadores e prefeituras - porta de entrada para muitas mulheres por permitirem conciliação da vida política com a vida familiar – nossa presença é baixíssima: ocupamos menos de 14% do total de cadeiras. Um quarto dos municípios brasileiros não elegeu sequer uma mulher como vereadora e mais da metade das capitais brasileiras apresentou queda no número de eleitas entre 2012 e 2016.
O menor acesso aos recursos partidários e a falta de uma legislação sobre aspectos étnicos no âmbito eleitoral também são fatores que levam a esse cenário. Apesar da cota de 30% para candidaturas femininas, não há cota para candidaturas étnicas como forma de reduzir a desigualdade na representação. Mesmo com a criação das cotas, nossa presença nos espaços de poder continua crescendo a passos lentos.
O direito das mulheres de participar da vida política é garantido pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, dentre outras. Alguns países têm adotado medidas importantes. No Reino Unido, o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher observou que as mulheres negras representavam 5,8% da população, mas constituíam menos de 1% dos representantes locais. Mesmo com o aumento na representação feminina no país, as afrodescendentes continuavam sub-representadas.
Para corrigir essa distorção, o Comitê sugeriu medidas especiais temporárias para alcançar a igualdade de participação, incluindo o recrutamento, assistência financeira e formação de mulheres candidatas, além de modificação de procedimentos eleitorais, com definição de objetivos numéricos e cotas.
A pauta política das mulheres negras têm especificidades e precisa de uma representação legítima e direta. Por isso precisamos eleger representantes negras, porque só quem vive a discriminação em suas múltiplas dimensões sabe a dificuldade que é, para que nós que construímos as cidades, estejamos também no centro da construção de pautas políticas antirracistas e anti machistas em nosso Estado. Num contexto multicultural e desigual, só avança quem tem legitimidade. Queremos políticas específicas de proteção social, de saúde e acesso à justiça, eliminando todas as formas de discriminação enfrentadas pelas mulheres negras ao acessar os serviços essenciais. Não precisamos ser representadas. Podemos e queremos falar por nós mesmas.
Leninha é deputada estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Edição: Elis Almeida