Governador segue apostando na desmobilização e no individualismo
O governador Romeu Zema (Novo) foi rebaixado ao grupo dos incompetentes e tristes nesse carnaval. Não que fizesse parte do grupo especial, mas estreava na folia no cargo e o mínimo que deveria ter feito era não atrapalhar. A festa em Minas Gerais completa uma década de conquista do espaço público, da alegria do cidadão, da expressão da cultura popular, da manifestação da saudável crítica social e, com igual importância, do papel dinamizador na economia. Zema não entendeu nenhum dos lados dessa história.
O governador vem colecionando derrotas em todas as áreas. Na educação, na economia, no meio ambiente, no diálogo com as forças políticas, na segurança pública, no relacionamento com as lideranças do funcionalismo. Sua repetida cantilena da herança maldita não convence mais, já que é ao mesmo tempo extemporânea (afinal, já completou mais de um ano de administração e não disse a que veio) e desmobilizadora. O governo do ajuste do caixa tem sedução por processos, falsa meritocracia e alergia de gente.
Não há sombra de políticas públicas de natureza social em andamento no estado, não há projetos de recuperação da economia, não se observa nada de atraente em termos de conquista de investimento. Politicamente, o governador conjuga um estilo reticente e atravessado de lugares-comuns, que apequena o estado no conjunto das forças políticas do país. Comparando com a situação psicológica dos indivíduos em sofrimento, estamos na vigência de um estado depressivo, sem outra energia que não seja o lamento, o sentimento de derrota e o ressentimento.
A atuação de Zema durante o carnaval foi sintomática desse estado de espírito. Eleito no susto pela bandeira da antipolítica e da proximidade com o bolsonarismo, o governador segue apostando na desmobilização e no individualismo. Acreditou, equivocadamente, que o mesmo método seria eficiente no momento mais vital da sociedade, que é a euforia real que brota da festa de rua. Retomou a desgastada avaliação de que mineiro não gosta de carnaval e assumiu a postura cabotina de censor e repressor em nome dos valores do conservadorismo que tentam colar como tatuagem no mineiro.
Aproveitou a deixa dada pelas autoridades da segurança (que não gostam das pessoas nas ruas) para lavar as mãos e fingir que trabalhava pela segurança dos foliões. Vestiu a fantasia de gestor responsável para esconder a alma de repressor que pulsa por baixo de seu uniforme sem graça de operário-padrão. Atuou para inviabilizar desfiles, dificultar a presença de blocos nas praças e vias públicas utilizando normas tiradas do bolso do colete fora dos prazos acertados, além de ameaçar as convocações espontâneas ao prazer e à irreverência.
Zema não contava com alguns elementos que fazem parte da vida das cidades que ele, como o neopolítico mais ultrapassado e politiqueiro dos últimos anos, não sabia. Em primeiro lugar, que o carnaval é resultado de muita preparação, trabalho e cultura acumulada. A espontaneidade da festa só é tão impactante porque as pessoas deram o que tinham de melhor para chegar até as ruas: criatividade, negociação, investimento pessoal e coletivo, unidade e respeito ao outro. Por isso, querer melar o jogo é uma ação irresponsável e antidemocrática.
Em segundo lugar, o carnaval em Minas – e em Belo Horizonte em particular – marca uma retomada do protagonismo das ações culturais e simbólicas no campo da política. Em meio à onda conservadora que dirigiu os rumos do estado e da capital por muitos anos, o setor foi capaz de mobilizar as consciências para uma nova relação entre interesse público e política institucional, que arejou a cena e ajudou a consolidar um novo modo de ação de cidadania. A cultura foi ponta de lança, recuperando a história de movimentos participativos, alternativos e experimentais, que sempre fizeram parte do DNA libertário do mineiro. Quem se indispôs com a cultura, se deu mal.
Em terceiro lugar, outra dissintonia do atual mandatário com a realidade do estado contrapõe alegria com seriedade. Não há nada mais importante que o bem-estar, a vida boa, a capacidade de fruir da existência com respeito e integridade. No entanto, para a ética que parece dirigir a mentalidade da classe empresarial, onde se urdiu o caráter de Zema, o sentido da vida é apenas servir e produzir em nome dos interesses dos detentores dos meios de produção. A alegria, além de ser a prova dos nove, é índice de contestação.
O carnaval deste ano em todo o Brasil – e em Minas não foi diferente – foi expressão dessa inclinação de vida em direção aos valores da liberdade, do respeito à diferença, do conhecimento e da presença da cultura e da resistência popular nos momentos mais importantes da nossa história. O que ficou consagrado em desfiles vigorosos de escolas de samba do Rio e São Paulo, na irreverência das marchinhas, na ocupação prazerosa dos espaços públicos, na manifestação de comportamentos mais livres e criativos.
Ao poder público cabia fazer sua parte, garantindo segurança – e não violência racista, sexista e classista – infraestrutura suficiente, caminhos desimpedidos, serviços de saúde e limpeza. A alegria era por conta do povo. O governador mineiro inverteu os sinais: quis paralisar os fluxos, assistiu a repressão correr solta para só se manifestar depois, aceitou que cantores fossem constrangidos na liberdade de sua voz e quis domar a felicidade para zelar pelo sono dos injustos. Além de não ser competente, Zema é a cara da tristeza.
Edição: Elis Almeida