Desde janeiro, vigora em Minas Gerais a Lei 23.575/20 que concede descontos tributários para empresas que utilizarem rejeitos de mineração em materiais de obras da construção civil, como cimento, concreto, lajes e tijolos. Como incentivo para a reutilização dos rejeitos, o Estado chega a oferecer para as empreiteiras isenção total no Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS.
No entanto, especialistas do setor questionam a eficácia da lei para a resolução do problema da destinação dos rejeitos de mineração. Eles alertam ainda que a medida pode ampliar o contingente de pessoas intoxicadas por metais pesados.
Isenção pode gerar ônus para caixa do Estado
Em Minas Gerais, quando se trata da relação entre mineração e isenção fiscal, o buraco é mais embaixo. Isso porque desde 1996, o estado sofre o impacto da Lei Kandir, que isenta o ICMS de produtos e serviços destinados à exportação, entre eles o minério. A estimativa é que ao longo desses anos, Minas Gerais tenha deixado de arrecadar mais de R$ 135 bilhões por causa da desoneração fiscal.
Somente o Projeto Minas - Rio da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro - região central de Minas - gerou, nos últimos cinco anos, um ônus para o Estado na casa de R$ 600 milhões a R$1 bilhão. A estimativa é do professor da Universidade Federal de Viçosa e coordenador do GT de mineração do Projeto Brasil Popular, Tádzio Coelho.
Na avaliação do pesquisador, com a nova lei de isenção tributária, os prejuízos recaem novamente no colo dos mineiros. "A destinação dos rejeitos deveria ser responsabilidade das mineradoras e não do governo, já que somente elas lucram com a mineração e são elas que trazem danos ambientais e sociais para o estado”, pontua.
Tádzio alerta ainda que o incentivo ameaça também a vida útil das empresas de cerâmicas e cimenteiras. “Acaba-se matando por inanição esses outros setores. Então a gente percebe que os beneficiados com essa medida são somente as mineradoras e as grandes empresas de construção civil”, conclui.
Mais pessoas podem ser contaminadas
No fim de 2019, uma reportagem da Agência Pública revelou que a Fundação Renova, responsável pelo processo de reparação dos atingidos na Bacia do Rio Doce, escondia da população um estudo que comprovava que os rejeitos das mineradoras Vale, BHP Billiton e Samarco causam intoxicação por metais pesados.
A Renova utilizou os rejeitos da barragem de Fundão no calçamento das ruas de Barra Longa. Uma das vítimas da intoxicação por contato com a poeira de rejeitos é Sofya Marques, de apenas 4 anos de idade. Cotidianamente, ela precisa fazer acompanhamento médico, já que a intoxicação lhe causou uma inflamação no cérebro e no intestino. Além de alergias de pele, dores nas costas e nas pernas.
Com a lei de incentivo ao uso dos rejeitos a polêmica vem à tona: quais riscos isso representa para a saúde da população? O pesquisador Bruno Milanez, que integra o grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS / UFJF), questiona se houve algum estudo de avaliação da inércia dos metais pesados quando aplicados na construção civil. "A pergunta que fica é: qual garantia de segurança ao trabalhador para manipular esse material e para as pessoas que vão ocupar esses imóveis?”, indaga.
Milanez alerta ainda que as pessoas em contato com esses materiais podem apresentar sintomas a longo prazo. No entanto, é difícil comprovar a relação entre a exposição a esses materiais e o desenvolvimento de doenças. "Os metais pesados, dependendo do tempo a que você é exposto, podem causar uma grande gama de adoecimento. O problema é que, a longo prazo, é difícil comprovar um nexo causal."
Luiz Paulo Guimarães, da coordenação do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração - MAM, alerta sobre a diversidade de metais que compõem as barragens. "A barragem de rejeitos em Paracatu, por exemplo é de mineração de ouro, e por isso tem alta concentração de metais pesados como cianeto e mercúrio, que são comprovadamente carcinogênicos. Não dá para fazer uma única política, é preciso avaliar barragem por barragem”, conclui.
Luiz Paulo alerta ainda que a reutilização de rejeitos em Minas Gerais é algo praticamente inviável, já que no quadrilátero ferrífero - região onde está concentrada a maioria dos empreendimentos minerários do estado - todas as barragens contêm metais pesados.
Legislação não resolve situação dos rejeitos
Tádzio Coelho avalia que além de gerar queda na arrecadação do Estado, a política de incentivo à reutilização de rejeitos também é ineficaz quanto ao problema de destinação desses resíduos, uma vez que as escalas da reutilização desses materiais em construções e a de produção de rejeitos são incompatíveis. "O modelo mineral brasileiro comporta uma estrutura sistemática de geração de rejeitos, fruto da lógica de mercado, dos lucros das mineradoras e também da permissividade do Estado", pondera.
Na avaliação de Luiz Paulo, do MAM, ao invés de políticas de incentivo, o Estado deveria investir na fiscalização dos empreendimentos e em medidas como a Lei Mar de Lama Nunca Mais, que foi um avanço na política de mineração em Minas Gerais, mas ainda não foi regulamentada. "É preciso criar mecanismos institucionais para restringir a construção de novas barragens de rejeitos, com isso o Estado não está nem um pouco preocupado", critica o dirigente.
Edição: Elis Almeida